" A angustia é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais profunda." Martin Heidegger .
Martin Heidegger nasceu a 26 de setembro de 1889 em Messkirch, na Schwarzwald (Floresta Negra), Alemanha, e faleceu em 26 de maio de 1976, na mesma Messkirch, então parte da Alemanha Ocidental. Seu pai foi um sacristão católico, incumbido das vestes e dos objetos sagrados, de tocar os sinos e também de cavar as sepulturas no interior do templo. Heidegger mostrou uma preocupação religiosa precoce e teve seu interesse despertado para a filosofia desde os seus estudos básicos, através da leitura do filósofo católico do final do século XIX Franz Brentano. Impressionou-o a psicologia " descritiva ", como é apresentada no livro "Dos vários significados do Ser de acordo com Aristóteles" de Brentano. Dos seu estudos iniciais de Brentano, vem também seu entusiasmo pelos gregos, especialmente os pré-Socráticos. Após terminar os estudos básicos, Heidegger entrou para a ordem dos Jesuítas. Como noviço, estudou a Escolástica (filosofia cristã medieval) e a teologia tomista, na universidade de Freiburg.
Por toda sua vida Heidegger esteve obcecado pela possibilidade de descobrir que há um sentido básico do verbo "ser" escondido atrás de sua variedade de usos. Foi influenciado ainda por diversos filósofos do século 19 e do início do século 20, principalmente pelo pensador católico dinamarquês Søren Kierkegaard e pelos filósofos alemães Friedrich Nietzsche, Wilhelm Dilthey e pelo seu mestre e fundador da fenomenologia Edmund Husserl. Aos 20 anos, Heidegger estudou com o filósofo Heinrich Rickert, e com Husserl, que era então já famoso. A fenomenologia de Husserl, e especialmente sua luta contra a inclusão da psicologia nos estudos essenciais do homem, foi a base da sua dissertação de doutorado em 1914. Hiedegger começou a lecionar na universidade de Freiburg durante o semestre acadêmico do inverno de 1915 e ganhou sua habilitação com um estudo do filósofo franciscano escocês falecido John Duns Scotus (1266-1308). Moço ainda e agora um colega de profissão de Husserl, era de esperar que Heidegger levasse o movimento fenomenológico mais longe dentro do espírito de seu mestre, entretanto, de grande vocação religiosa, ele preferiu seu próprio caminho, e em 1927 surpreendeu o mundo filosófico alemão com "Sein und Zeit" "O ser e o tempo". O livro foi aclamado como um trabalho profundo e importante não somente em países de língua germânica mas também nos países latinos, onde a fenomenologia era já bem conhecida. Ele Influenciou, fortemente, Jean-Paul Sartre, na França e outros existencialistas, e, apesar dos protestos de fé do próprio Heidegger, ele foi considerado, por força deste livro, como um líder do existencialismo ateu. Entretanto, entre os intelectuais ingleses, mais avessos aos modismos, sua recepção foi um tanto fria, e sua influência foi insignificante por várias décadas. Em "O ser e o tempo", o propósito declarado de Heidegger é trazer à luz o que significa "ser" para o homem, ou "como é ser". Na ocasião da publicação de "O ser e o tempo", Heidegger era professor "ordinarius" em Marburg onde lecionou por vários anos desde 1923. Renunciou a esse cargo e, em 1928, retornou a Freiburg, desta vez como o sucessor de Husserl. Seu discurso de posse na cátedra foi "Was ist Metaphysik?" "Que é Metafísica?" em 1929, no qual elabora um de seus temas favoritos: "Nichts", isto é, "o nada". No início dos anos 30 ocorreu uma reviravolta no pensamento de Heidegger, afastando-o do problema do ser e do tempo, nessa época , ocorreu também sua adesão ao nazismo, curta, devido certamente apenas ao desenlace desfavorável da guerra, mas nem por isso uma participação menos eloqüente. Sua participação na política cultural do terceiro reich teve início mesmo antes que Adolf Hitler assumisse o poder em novembro 1933. Com o crescimento do partido e sua penetração nos meios intelectuais, as universidades alemãs foram expostas a pesadas pressões. Esperava-se que apoiassem a "revolução nacional" e eliminassem os intelectuais judeus e suas doutrinas (tais como a da relatividade). O reitor em Freiburg, um cientista anti-nazista, renunciou como protesto, e a equipe de professores elegeu unanimemente o engajado Heidegger como seu sucessor. O discurso de posse de Heidegger na reitoria "A auto-afirmação da universidade alemã" foi uma ampla afirmação de Nazismo. Porém, para seus admiradores, ansiosos por livrá-lo, o quanto antes, dos compromissos com a ideologia nazista, Heidegger estava apenas copiando a política educacional autoritária de Platão, e alegaram que em seu discurso ele, sequer, terminou com um "Heil, Hitler!", mas com uma citação da república de Platão: "Todas as grandes coisas se expõem ao perigo". Em novembro 1944 Heidegger parou de lecionar, a invasão da Alemanha derrotada pelas potências aliadas tornou difícil a situação dos nazistas mais destacados. Em 1945 ele foi proibido de lecionar oficialmente e suas atividades nazistas foram investigadas. Não foi incriminado em nenhum dos crimes praticados pelos partidários de Hitler e por isso não perdeu seus direitos a uma aposentadoria. Deu, regularmente, influentes conferências entre os anos de 1951-58, e continuou um intelectual importante dentro do movimento fenomenológico internacional até seu falecimento em 1976.
Em toda sua obra, Heidegger evitou termos das ciências sociais ou da psicologia tanto quanto possível, em favor de uma terminologia ontológica. Viu-se então na necessidade de criar uma terminologia nova, palavras novas para exprimir seu pensamento. Foi criticado por desenvolver seu próprio alemão, seu próprio grego, e seu próprio tipo de etimologias. Inventa, por exemplo, aproximadamente 100 palavras novas que terminam com " sendo." Ao ler seus trabalhos é necessário traduzir muitos dos seus termos chaves de volta em palavras gregas a fim de entender suas interpretações e etimologias. Para Heidegger a existência é dividida em três "estruturas existenciais": afetividade, fala e entendimento. São três fenômenos existenciais que caracterizam como as coisas do passado, do presente e do futuro se manifestem para o homem e a unidade desses três fenômenos constitui a estrutura temporal que faz a existência inteligível, compreensível.
A afetividade é definida pelas "coisas" do passado que chegam ao homem como valores, afetando os sentimentos, que podem ser públicos, compartilhados, e transmissíveis. A fala está no presente e as "coisas" se traduzem em palavras da linguagem na articulação dos seus significados. O entendimento, que são as "coisas" do futuro, onde o projeto que define o homem encontrará a morte, são as "coisas" não garantidas, que lhe são devolvidas para gerar nele o sentimento de que não está em "casa" neste mundo, mesmo estando entre as "coisas" que lhe são mais familiares.
Portanto, no homem, o ser está relacionado ao tempo e está dado, isto é, existe nestes três fenômenos, nestes três "existenciais".
O homem está fora das "coisas", diz Heidegger em "O ser e o tempo", nunca sendo completamente absorvido por elas, mas não obstante não sendo nada, à parte delas. O homem vive, até o fim, em um mundo no qual ele foi jogado, constituindo algo à parte mas sempre a ponto de ser submergido nas "coisas". O homem é continuamente um projeto, mas, ocasionalmente, ou mesmo normalmente, pode ser submergido nas "coisas" a tal ponto que é absorvido nelas temporariamente. O homem encobre aqueles condicionantes existenciais, aquilo que ele de fato é, entregando-se a uma rotina de superficialidades "públicas" na vida cotidiana. Não é então ninguém em particular, é uma estrutura que Heidegger chama das Man ("o eles "). É a tendência da alienação de si mesmo que leva o homem à tendência de se conhecer apenas através da comparação que faz de si mesmo com os outros indivíduos seus pares. A característica do "Man" é a conversa inócua e a curiosidade, sendo que o que fala e o ouvinte não estão em nenhuma relação pessoal genuína ou em qualquer relação intima com aquilo sobre o que falam, o que, portanto, conduz a superficialidade. A curiosidade é uma forma de distração, uma necessidade para o "novo", uma necessidade para algo "diferente", sem interesse ou capacidade de se maravilhar. Mas algo pode acontecer que desperta o homem dessa alienação, a angústia, ela resulta da falta de base da existência humana. Para Heidegger, a "existência" é uma suspensão temporária entre o nascimento e a morte O projeto de vida do homem tem origem no seu passado (em suas experiências) e continuam para o futuro, o qual o homem não pode controlar e onde esse projeto será sempre incompleto, limitado pela morte que não pode evitar.
A angústia funciona para revelar o ser autêntico, e a liberdade como uma potencialidade, elas conscientizam o homem a escolher a si mesmo e governar a si mesmo. Na angústia, a relevância do tempo, da finitude da existência humana, é experimentada então como uma liberdade para encontrar-se com sua própria morte, um "estar preparado para" e um contínuo "estar relacionado com" sua própria morte. Na angústia, todas as "coisas", todas as entidades em que o homem está mergulhado se afastam, afundando em um "nada e em nenhum lugar", e o homem, então, em meio às "coisas", paira isolado, e em nenhuma parte se acha em "casa". O homem enfrenta o vazio, e toda a "rotinidade" desaparece, isto é bom, uma vez que então encontra a potencialidade de ser de modo autêntico. Assim, a angustia "sóbria" e a confrontação com a morte, são para Heidegger importantes ferramentas. A ansiedade abre o homem para o ser, e entre as estruturas reveladas estão as potencialidades do homem para ser alegremente ativo: "... conhecer a alegria é uma porta para o eterno". Isto não quer dizer que o "ser" está irremediavelmente ligado ao desespero, à angústia, o "ser" está também associado à luz e à alegria. Pensar o "ser" é chegar ao verdadeiro "lar", por isso, dos três existenciais, Heidegger privilegia o futuro, porque é a projeção para o advir e o golpe da devolução no embate com a morte que lá está que leva o homem a pensar e à autoconscientização. O homem pode então introduzir esse conhecimento existencial no projeto de sua vida, e assim se apropriar da existência fazendo-a efetivamente sua, tornando-se autêntico.
Site de referência:
http://www.cobra.pages.nom.br/fc-heidegger.html
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