Merleau Ponty e o corpo:
O pensamento de Merleau-Ponty se estrutura em três princípios diretores: o real é sempre o percebido, não há uma percepção sem mundo; o corpo habita o espaço e o tempo ao invés de estar no espaço e no tempo. As relações tecidas entre o corpo, o espaço e o mundo estão contidas, mais especificamente nas obras: Fenomenologia da percepção, O Visível e o invisível e O Olho e o espírito. Ponty afirmava que o corpo comunica-se com o mundo: “nosso corpo não está no espaço: ele é o espaço”, assim, cada um tem seu mundo privado, ao lado dos demais, a única certeza infalível é a da própria vivência, sendo ela sempre uma experiência emocional. A certeza da vivência é fruto de um dado inicial: a sensação de estar vivo. Nessas condições, somos tentados a inverter a máxima de Descartes, “Penso, logo existo”, pela fórmula: Existo, logo penso, danço, corro, choro, amo, caminho, sinto, sofro, grito, etc... As situações existenciais vivenciadas configuram o fato de que a consciência está sempre engajada no mundo e com ele mantendo relações significativas: “Sistema de potências motoras ou de potências perceptivas, nosso corpo não é um objeto para um “eu penso”: é um conjunto de significações vividas que tende para o seu equilíbrio” por isso, “O corpo próprio está no mundo como o coração no organismo: ele mantém continuamente em vida o espetáculo visível, ele o anima e o nutre interiormente formando com ele um sistema”. “Meu corpo está onde há alguma coisa a fazer”. Por este motivo, podemos falar de uma possessão do corpo pelo mundo, uma incorporação onde colocamos o nosso centro de gravidade. Sartre afirmava: "o homem é um ser em situação”. Segundo Merleau-Ponty, também o ser é sempre sinônimo de ser situado. Para Sartre, Merleau-Ponty foi o filósofo da compreensão da existência, do acontecimento, opondo-se a desrazão, opondo a história ao imobilismo do sujeito kantiano, “encontrava a sua segurança na multiplicidade das perspectivas: ele via nelas as facetas do ser”(Sartre). A percepção era para Ponty a preocupação maior: o mundo através do corpo e o corpo através do mundo, “Mas o mundo é também a história: talvez nós sejamos, em primeiro lugar, históricos”(Ponty). Desde 1945 Merleau-Ponty escrevia: “Em resumo, nós aprendemos a história e afirmamos que ela não deve ser esquecida”. Sartre entendia a obra da cultura, os trabalhos, as dores, os utensílios, o regime, os costumes, como uma trama que ao mesmo tempo em que a pessoa a tece, cada vez mais a produz, mas não acreditava na intersubjetividade em que o amigo acreditava: “ele sofria pelas suas relações com as outras pessoas: (...) através da Natureza, nela, ele viveu essa intersubjetividade de imanência, que tantas vezes descreveu, e que nos faz descobrir através do outro a nossa espontaneidade”. Por outro lado, Sartre compartilhou com Merleau \Ponty as amarguras e as desilusões da guerra: “Nós tínhamos razão, em 1939, quando quisemos a liberdade, a verdade, a felicidade, as relações transparentes entre os homens, e não renunciamos ao humanismo. (Mas) a guerra... ensinou-nos que estes valores não permanecem nominais... sem uma infraestrutura econômica e política que os faça entrar na existência”. Sartre interrogava fatos e Merleau, os acontecimentos: “Isso correspondia a interrogar o acontecimento na sua imprevisibilidade, e sem espécie alguma de preconceito, para nele encontrar uma lógica da temporalidade”. Segundo esse pensamento, o tempo atravessa o vivido sintetizando a nossa percepção, por isso somos atravessados simultaneamente pelo passado, pelo presente e pelo futuro, “Em cada movimento de fixação, meu corpo ata em conjunto um presente, um passado e um futuro, ele secreta tempo”. Fazendo uma ligação com o pensamento de Nietzsche, para quem tudo se reduz ao tempo, o tempo é o único fator que importa para a filosofia, o tempo e a sua eternidade: “O fato de que o ‘espírito’ existe, e que ele é um devir, demonstra que o universo não tem fim, não tem estado final, que ele é incapaz de ser”. A partir dessas colocações, Nietzsche conclui: “Nada me impede de calcular para trás a partir do momento presente e de dizer: ‘Eu não chegarei jamais ao fim’, assim como eu posso, a partir deste mesmo instante presente, calcular para diante até o infinito".
Referências Bibliográficas:
CAPALBO, Creuza. A Filosofia de Maurice Merleau-Ponty. Historicidade e
ontologia. Londrina: Humanidades, 2004.
CUNHA, Maria Helena Lisboa da. Espaço real, espaço imaginário. Rio de Janeiro:
Editora Uapê Espaço Cultural, 1998.
Chauí, M. S. (1981). Da realidade sem mistérios ao mistério do mundo Espinoza, Voltaire, Merleau-Ponty. São Paulo: Brasiliense.
Merleau-Ponty, M. (1994). Fenomenologia da percepção (Carlos Alberto Ribeiro de Moura, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Texto original publicado em 1945)
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