"Sou um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única temporaliza-se como liberdade [...] Assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente a textura de meu ser... "SARTRE
Pensar a liberdade implica em refletir sobre a própria condição humana de um ser que vive em comunidade, compartilhando com outros seres do mesmo espaço, das mesmas crenças, de afazeres, e, talvez, dos mesmos objetivos de vida. A liberdade está no centro da vida coletiva na medida em que viver no público significa conviver com o outro, ou seja, em toda a vida social o pano de fundo é a relação entre o eu e o outro. Assim, nas relações interpessoais, podemos, questionar quais os limites da minha liberdade sobre o outro e a do outro sobre a minha, como o modo de vida do outro impõe limites à minha liberdade, e até que ponto esta limitação constitui-se num bem para mim, e, se ao afirmar livremente minha forma de viver, e em decorrência desfrutar de momentos felizes, esta forma acarretar um dano ao outro? E se este dano é um bem para mim, pois afirma a minha felicidade, mas é um mal para o outro, pois lhe traz dores. Como, então, conviver com esta situação? Até que ponto ser livre para agir não implica no fazer do outro um meio para a minha liberdade? Pensar a liberdade com essas interrogações, significa refletir sobre a própria situação conflitiva entre os homens na sociedade. Até que ponto o homem é livre para atuar sobre o outro? Quais os limites morais e religiosos, à liberdade dos desejos humanos? Na relação eu-outro, o eu possui, em sua consciência, valores, desejos, objetivos de vida e ideais em relação ao outro? Por sua vez, o outro também alimenta em sua consciência valores, desejos e objetivos em relação ao eu? Neste contexto de con-vivência, freqüentemente os desejos e objetivos do eu não estão alinhados com os desejos e objetivos do outro, assim, toda a relação está imbuída de conflitos. Tendo como cenário as interrogações sobre a liberdade humana e o conflito que vêm da convivência, Sartre afirmava que a liberdade é a liberdade do sujeito, porém, a consciência desse sujeito é autônoma para escolher, ou seja, é intencional. O homem é homem pela sua condição de ser livre. O homem faz-se afirmando suas escolhas livres, assim, o homem é produto de sua liberdade, pois é na ação livre que escolhe seu ser, que se constrói enquanto sujeito. Por outro lado, no mundo da natureza não há liberdade, mas o determinismo dos instintos; assim, falar no humano, para Sartre, é falar num ser que quotidianamente escolhe as ações que faz. Dessa forma, toda ação, escolha, objetivo ou condição de vida são produtos da liberdade humana. A liberdade deixa de ser uma conquista humana, para ser, segundo Sartre, uma condição da existência humana. Neste sentido, sendo o homem livre para agir e não existindo valores universais, como por exemplo o cristianismo, que sirvam de referenciais para nossa vida, cabe tão somente a ele construir os valores norteadores de sua ação, ou seja, é o ser humano, individualmente, e em suas ações concretas, que deve escolher os valores para sua vida. As ações livres dos homens visam a um objetivo, porém, este objetivo, para Sartre, está ameaçado pelo outro: "Necessário para mim, o outro é também um mal, um mal necessário [...] somos, eu e o outro, duas liberdades que se afrontam e tentam mutuamente paralisar-se pelo olhar. Dois homens juntos são dois seres que se espreitam para escravizar a fim de não serem escravizados." Na vida social, a convivência eu-outro constitui-se numa luta pela conquista da liberdade: "...pode acontecer que, pela própria impossibilidade de identificar-me com a consciência do outro por intermédio da minha objetividade para ele, eu seja levado a me voltar deliberadamente para o outro e olhá-lo. Nesse caso, olhar, o olhar do outro é colocar-se a si mesmo em sua própria liberdade e tentar, do fundo desta liberdade, afrontar a liberdade do outro. Assim, o sentido do preterido conflito será deixar às claras a luta de duas liberdades confrontadas enquanto liberdades. "O outro é, para a minha ação livre, um mal, pois a liberdade do outro limita a minha:" (SARTRE)" Mas se é verdade que o desejo é uma consciência que se faz corpo para apropriar-se do corpo do outro, apreendido como totalidade orgânica em situação com a consciência no horizonte, qual será a significação do desejo? [...] A resposta será fácil se pensarmos que, no desejo, faço-me carne na presença do outro para apropriar-me da carne do outro." (SARTRE). Para realizar meus desejos e minha liberdade, devo fazer do outro um meio: "Coloca-me, pois, no último grau de objetividade, no momento mesmo em que posso me crer uma subjetividade absoluta e única, posto que sou visto sem sequer poder experimentar o fato de que sou visto e sem poder me defender, por meio deste experimentar, contra meu ´ser visto´. Sou possuído sem poder voltar-me contra aquele que me possui. Na experiência direta do outro enquanto olhar, defendo-me experimentando o outro, e resta-me a possibilidade de transformar o outro em objeto." (SARTRE). "O outro me faz um ser indefeso perante uma consciência que me julga. A transcendência alheia supera minha transcendência. Diante do outro sou uma ‘transcendência-transcendida’. De certo modo, somos escravos do outro que é nosso juiz e nosso senhor. Não temos para onde fugir. Para onde quer que vá, o que quer que faça, o outro estará presente, mesmo em meu quarto fechado, porque o outro está encravado no meu próprio miolo, sou um ‘ser-para-outro." (Sartre)
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http://periodicos.uem.br
Referências Bibliogáficas:
ALMEIDA, Fernando José. Sartre: é proibido proibir. São Paulo: FDT, 1998.
GILES, Thomas Ransom. História do existencialismo e da fenomenologia, São Paulo: EPU, 1989.
GIORDANI, Mário Curtis. Iniciação ao existencialismo. Petrópolis: Vozes, 1997.
LIMA, Walter, M. Liberdade e dialética em J. P. Sartre. Maceió: EDUFAL, 1998.