terça-feira, 31 de janeiro de 2012

"Não há necessidade de grelhas, o inferno são os outros." Sartre




"Sou um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única temporaliza-se como liberdade [...] Assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta  ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente a textura de meu ser... "SARTRE



Pensar a  liberdade implica em refletir sobre a própria condição humana de um ser que vive em comunidade, compartilhando com outros seres do mesmo espaço, das mesmas crenças, de afazeres, e, talvez, dos mesmos objetivos de vida. A liberdade está no centro da vida coletiva na medida em que viver no público significa conviver com o outro, ou seja, em toda a vida social o pano de fundo é a relação entre o eu e o outro. Assim, nas relações interpessoais, podemos, questionar quais os limites da minha liberdade sobre o outro e a do outro sobre a minha, como o modo de vida do outro impõe limites à minha liberdade, e até que ponto esta limitação constitui-se num bem para mim, e, se ao afirmar livremente minha forma de viver, e em decorrência desfrutar de momentos felizes, esta forma acarretar um dano ao outro? E se este dano é um bem para mim, pois afirma a minha felicidade, mas é um mal para o outro, pois lhe traz dores. Como, então, conviver com esta situação? Até que ponto ser livre para agir não implica no fazer do outro um meio para a minha liberdade? Pensar a liberdade com essas interrogações, significa refletir sobre a própria situação conflitiva entre os homens na sociedade. Até que ponto o homem é livre para atuar sobre o outro?  Quais os limites morais e religiosos, à liberdade dos desejos humanos? Na relação eu-outro, o eu possui, em sua consciência, valores, desejos, objetivos de vida e ideais em relação ao outro? Por sua vez, o outro também alimenta em sua consciência valores, desejos e objetivos em relação ao eu? Neste contexto de con-vivência, freqüentemente os desejos e objetivos do eu não estão alinhados com os desejos e objetivos do outro, assim, toda a relação está imbuída de conflitos. Tendo como cenário as interrogações sobre a liberdade humana e o conflito que vêm da convivência, Sartre afirmava que a liberdade é a liberdade do sujeito, porém, a consciência desse sujeito é autônoma para escolher, ou seja, é intencional.  O homem é homem pela sua condição de ser livre. O homem faz-se afirmando suas escolhas livres, assim, o homem é produto de sua liberdade, pois é na ação livre que escolhe seu ser, que se constrói enquanto sujeito. Por outro lado, no mundo da natureza não há liberdade, mas o determinismo dos instintos; assim, falar no humano, para Sartre, é falar num ser que quotidianamente escolhe as ações que faz. Dessa forma, toda ação, escolha, objetivo ou condição de vida são produtos da liberdade humana. A liberdade deixa de ser uma conquista humana, para ser, segundo Sartre, uma condição da existência humana. Neste sentido, sendo o homem livre para agir e não existindo valores universais, como por exemplo o cristianismo,  que sirvam de referenciais para nossa vida, cabe tão somente a ele construir os valores norteadores de sua ação, ou seja, é o ser humano, individualmente, e em suas ações concretas, que deve escolher os valores para sua vida.  As ações livres dos homens visam a um objetivo, porém, este objetivo, para Sartre, está ameaçado pelo outro: "Necessário para mim, o outro é também um mal,  um mal necessário [...] somos, eu e o outro, duas liberdades que se afrontam e tentam mutuamente paralisar-se pelo olhar. Dois homens juntos são dois seres que se espreitam para escravizar a fim de não serem escravizados." Na vida social, a convivência eu-outro constitui-se numa luta pela conquista da liberdade: "...pode acontecer que, pela própria impossibilidade de identificar-me com a consciência do outro por intermédio da minha objetividade para ele, eu seja levado a me voltar deliberadamente para o outro e olhá-lo. Nesse caso, olhar, o olhar do outro é colocar-se a si mesmo em sua própria  liberdade e tentar, do fundo desta liberdade, afrontar a liberdade do outro. Assim, o sentido do preterido conflito será deixar às claras a luta de duas liberdades confrontadas enquanto liberdades. "O outro é, para a minha ação livre, um mal, pois a liberdade do outro limita a minha:" (SARTRE)" Mas se é verdade que o desejo é uma consciência que se faz corpo para apropriar-se do corpo do outro, apreendido como totalidade orgânica em situação com a consciência no horizonte, qual será a significação do desejo? [...] A resposta será fácil se pensarmos que, no desejo, faço-me carne na presença do outro para apropriar-me da carne do outro." (SARTRE).  Para realizar meus desejos e minha liberdade, devo fazer do outro um meio: "Coloca-me, pois, no último grau de objetividade, no momento mesmo em que posso me crer uma subjetividade absoluta e única, posto que sou visto sem sequer poder experimentar o fato de que sou visto e sem poder me defender, por meio deste experimentar, contra meu ´ser visto´. Sou possuído sem poder voltar-me contra aquele que me possui. Na experiência direta do  outro enquanto olhar, defendo-me experimentando o outro, e resta-me a possibilidade de transformar o outro em objeto." (SARTRE). "O outro me faz um ser indefeso perante uma consciência que me julga. A transcendência alheia supera minha transcendência. Diante do outro sou uma ‘transcendência-transcendida’. De certo modo, somos escravos do outro que é nosso juiz e nosso senhor. Não temos para onde fugir. Para onde quer que vá, o que quer que faça, o outro estará presente, mesmo em meu quarto fechado, porque o outro está encravado no meu próprio miolo, sou um ‘ser-para-outro." (Sartre)

Site de referência:

http://periodicos.uem.br

Referências Bibliogáficas:

ALMEIDA, Fernando José. Sartre: é proibido proibir. São Paulo: FDT, 1998.
GILES, Thomas Ransom. História do existencialismo e da fenomenologia, São Paulo: EPU, 1989.
GIORDANI, Mário Curtis. Iniciação ao existencialismo. Petrópolis: Vozes, 1997.
LIMA, Walter, M. Liberdade e dialética em J. P. Sartre.  Maceió: EDUFAL,  1998.


domingo, 29 de janeiro de 2012

"A vida esconde nos lugares mais simples sua grande beleza que revela qual o significado de porque persistimos em continuar vivendo." Pablo Neruda.




“A Filosofia aparece a alguns como um meio homogêneo: os pensamentos nascem nele, morrem nele, os sistemas nele se edificam para nele desmoronar. Outros consideram-na como certa atitude cuja adoção estaria sempre ao alcance de nossa liberdade. Outros ainda, como um setor determinado da cultura. A nosso ver, a Filosofia não existe; sob qualquer forma que a consideremos, essa sombra da ciência, essa eminência parda da humanidade não passa de uma abstração hipostasiada.”Sartre.



Jean Paul Sartre nasceu em Paris, no dia 21 de junho de 1905, era filho de Jean-Baptiste Marie Eymard Sartre, oficial da marinha francesa e de Anne-Marie Jean Paul Sartre (Nascida Anne Marie Schweitzer). Quando seu filho nasceu Jean-Baptiste tinha uma doença crônica adquirida em uma missão na Cochinchina. Após o nascimento de Jean-Paul ele sofreu uma recaída e retirou-se com a família para Thiviers, sua terra natal, onde morreu em 21 de setembro de 1906. Jean-Paul, órfão de pai, e então com 15 meses, muda-se para Meudon com sua mãe, onde passam a viver na casa de seu avós maternos. O avô de Jean Paul Sartre, Charles Schweitzer nasceu em uma tradicional família protestante alsaciana da qual faz parte, entre outros, o famoso missionário Albert Schweitzer, sobrinho de Charles. Ao fim da guerra franco-prussiana, Charles optou pela cidadania francesa e tornou-se professor de alemão em Mâcon onde conheceu e casou-se com Louise Guillemin, de origem católica, com quem teve três filhos, George, Émile e Anne-Marie. Em 1911,    a família Schweitzer mudou-se para Paris. Desde cedo, Sartre passa a ter acesso à biblioteca de obras clássicas francesas e alemãs pertencente ao seu avô. Após aprender a ler, alterna a leitura de Victor Hugo, Flaubert, Mallarmé, Corneille, Maupassant e Goethe, com os quadrinhos e romances de aventura que sua mãe comprava semanalmente às escondidas do avô. Jean Paul Sartre considerava serem essas suas "verdadeiras leituras", uma vez que a leitura dos clássicos era feita por obrigação educacional. A essas influências, junta-se o cinema, que frequentava com sua mãe e que se tornaria mais tarde um de seus maiores interesses. Em 1921 retorna ao Liceu Henri IV, agora como interno. Encontra Paul Nizan e os dois tornam-se amigos inseparáveis. De 1922 a 1924, ambos estudam no curso preparatório do liceu Louis-le-Grand, onde se preparam para o concurso da École Normale Superieure. Nessa época despertou seu interesse pela filosofia. Sua primeira influência importante foi a obra de Henri Bergson. Em 1928 presta o exame de mestrado e é reprovado. Durante o ano de preparação para a segunda tentativa, estuda com Nizan e René Maheu na Sorbonne. Conhece a namorada de Maheu, Simone de Beauvoir que mais tarde se tornaria sua companheira e colaboradora até o fim da vida. Na segunda tentativa do mestrado, Jean Paul Sartre passa em primeiro lugar, no mesmo ano em que Beauvoir obtém a segunda colocação. Em 1933, ele é apresentado à fenomenologia de Husserl por Raymond Aron, que havia retornado de um período como bolsista do Institut Français em Berlim. Percebendo a semelhança dessa corrente à sua própria teoria da contingência, Jean Paul Sartre fica fascinado e imediatamente começa a estudar a fenomenologia através de uma obra introdutória. Por sugestão de Aron, candidata-se à mesma bolsa e, aprovado, permanece em Berlim entre 1933 e 1934. Durante esta viagem, estuda a fundo a obra de Husserl e conhece também a filosofia de Martin Heidegger. Publica em 1936 o artigo La Transcendence de l'Égo (A Transcendência do Ego), uma crítica à teoria do Ego Husserliana que por sua vez se baseava no Cogito cartesiano. Jean Paul Sartre desafia o conceito de que o ego é um conteúdo da consciência e afirma que ele está fora da consciência, no mundo e a consciência se dirige a ele como a qualquer outro objeto do mundo. Este é um dos primeiros passos para livrar a consciência de conteúdos e torná-la o "Nada" que mais tarde seria um dos conceitos-chave do existencialismo. De volta à França, continua a trabalhar nas mesmas ideias e entre 1935 e 1939 escreve L'Imagination (A Imaginação), L'Imaginaire (O Imaginário) e Esquisse d'une théorie des émotions (Esboço de uma teoria das emoções). Volta então suas pesquisas para Heiddegger e começa a escrever L´Être et le néant (O ser e o nada). Em 1938 publica o romance La Nausée (A náusea) e a coletânea de contos Le mur (O muro). A náusea apresenta, em forma de ficção, o tema da contingência e torna-se seu primeiro sucesso literário, o que contribui para o início da influência de Jean Paul Sartre na cultura francesa e no surgimento da moda existencialista que dominou Paris na década de 1940. Em 1939 Jean Paul Sartre volta ao exército francês, servindo na Segunda Guerra Mundial como meteorologista. Em Nancy é aprisionado no ano de 1940 pelos alemães, e permanece na prisão até abril de 1941, aproveitou sua prisão para estudar a obra do filósofo alemão Martin Heidegger.Fazendo-se passar por civil, conseguiu ser libertado. De volta a Paris, alia-se à Resistência Francesa, onde conhece e se torna amigo de Albert Camus (do qual já conhecia a obra e sobre quem já havia escrito um ensaio elogioso a respeito do livro O Estrangeiro). A amizade entre Jean Paul Sartre e Camus perdurará até 1952, quando os dois rompem a relação publicamente devido à publicação do livro do Camus O Homem Revoltado no qual Camus ataca criticamente o Stalinismo. Jean Paul Sartre defendia uma relação de colaboração critica com o regime da URSS e permitiu a publicação de uma crítica desastrosa sobre o livro do Camus em sua revista Les Temps Modernes (crítica esta que Camus respondeu de maneira extremamente dura) e que foi a gota d´água para o fim da relação de amizade). Mas até o final da vida Jean Paul Sartre admirará Camus, como ele mesmo expressa nas entrevistas que teve com Simone de Beauvoir em 1974 - e que ela publicou postumamente. Em 1943 publica seu mais famoso livro filosófico, L'Être et le Néant (O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica), que condensa todos os conceitos importantes da primeira fase de seu sistema filosófico. Em 1945, ele cria e passa a dirigir junto a Maurice Merleau-Ponty a revista Les Temps Modernes (Tempos Modernos), onde são tratados mensalmente os temas referentes à Literatura, Filosofia e Política. Além das contribuições para a revista, Jean Paul Sartre escreve neste período algumas de suas obras literárias mais importantes. Sempre encarando a literatura como meio de expressão legítima de suas crenças filosóficas e políticas, escreve livros e peças teatrais que tratam das escolhas que os homens tomam frente às contingências às quais estão sujeitos. Entre estas obras destacam-se a peça Huis Clos (Entre quatro paredes) (1945) e a trilogia Les Chemins de la liberté (Os caminhos da Liberdade) composta pelos romances L'age de raison (A idade da razão) (1945), Le Sursis (Sursis) (1947) e Le mort dans l'âme (Com a morte na alma) (1949). Na década de 1950 assume uma postura política mais atuante, e abraça o comunismo. Torna-se ativista, e posiciona-se publicamente em defesa da libertação da Argélia do colonialismo francês. A aproximação do marxismo inaugura a segunda parte da sua carreira filosófica em que tenta conciliar as ideias existencialistas de autodeterminação aos princípios marxistas. Jean Paul Sartre passou um mês em Cuba, como hóspede de Fidel Castro e lhe dedicou uma reportagem no jornal France Soir. Foi autor do Manifesto dos 121, que proclamava o direito à insubordinação dos franceses que eram convocados para lutar na guerra da Argélia, então uma colônia francesa na África. Considerado por muitos o símbolo do intelectual engajado, Jean Paul Sartre adaptava sempre sua ação às suas ideias, e o fazia sempre como ato político. Em 1963 Jean Paul Sartre escreve Les Mots (As palavras, lançado em 1964), relato autobiográfico que seria sua despedida da literatura. Após dezenas de obras literárias, ele conclui que a literatura funcionava como um substituto para o real comprometimento com o mundo. Em 1964 recebe o Nobel de Literatura, que ele recusa porque não acreditava em se submeter a juízes e seus julgamentos, mesmo quando premiado, segundo ele "nenhum escritor pode ser transformado em instituição". Ficou ao lado dos estudantes em maio de 1968, quando os jovens, decididos a viver de acordo com seus próprios valores, se revoltaram em Paris,  morreu em 15 de abril de 1980 no Hospital Broussais (em Paris). Seu funeral foi acompanhado por mais de 50 000 pessoas. Está enterrado no Cemitério de Montparnasse em Paris. No mesmo túmulo está Simone de Beauvoir. Em uma de suas definições sobre o existencialismo, Jean-Paul Sartre afirmou que, se Deus não existe, há pelo menos um ser cuja existência precede a essência – isto é, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer concepção de si. Esse ser é o homem. Para ele, o homem existe, descobre-se, aparece no mundo – e se define depois. Sartre considera que o homem não é definível a priori, porque, para começar, ele não é nada. Cada ser humano só será alguma coisa mais tarde e, então, será aquilo que fizer de si mesmo.

Site de referência:

http://www.psicoloucos.com/Jean-Paul-Sartre/biografia-de-jean-paul-sartre.

"A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo" Merleau Ponty.


Merleau Ponty, Husserl e a fenomenologia:


No prefácio da Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty faz uma re-leitura da fenomenologia de Edmund Husserl criticando o idealismo transcendental e transpondo a essência idealista para a existência factual em fenomenologia. Percebe-se que Merleau-Ponty não interpreta Husserl ao pé da letra, mas percorrendo o seu caminho e retomando o pensamento do criador do método fenomenológico, principalmente a partir de seus últimos textos. Merleau-Ponty  entende que a consciência não é consciência sozinha e critica a ideia de que sou produto de uma coisa, na medida em que esta afirmação exige uma experiência. A fenomenologia não caminha, então, na direção da ciência porque ela põe, justamente, entre parênteses as informações científicas e não é, absolutamente, um retorno idealista. Ao afirmar que “não há homem interior”, Merleau-Ponty, além de transcender uma perspectiva dualista que divide o homem em interior e exterior, nega o idealismo transcendental, que retira do mundo sua opacidade. Ponty coloca a percepção como o fundo sobre o qual todos os atos se liberam, ao mesmo tempo em que ela é pressuposta por estes. A percepção, para Merleau-Ponty, é o campo de revelação do mundo, – campo de experiência, e ela – não é um ato psíquico. A percepção é o campo onde se fundem sujeito e objeto. Ponty defende a idéia de que homem é mundo e o mundo é homem, o homem é parte do mundo e vice-e-versa. Trata-se, então, do enraizamento do homem no mundo, ou seu atolamento congênito” o que justifica a necessidade da utilização da redução fenomenológica como um artifício lógico para que se alcance a realidade, ainda que não se possa esquecer que a maior característica da redução fenomenológica é que esta nunca é completa. Ou seja, a prática da redução fenomenológica será sempre uma tentativa, nunca inteiramente realizada, exatamente pela mundaneidade intrínseca ao homem. Para Merleau-Ponty, um mal-entendido de Husserl foi pensar que para ver o mundo, e captá-lo, é preciso romper nossa familiaridade comele:  "Esta familiaridade nunca poderá ser totalmente rompida e é por isso que se deve sempre partir do princípio de que o maior ensinamento da redução é a impossibilidade da redução completa"” (Merleau-Ponty). A leitura que Merleau-Ponty faz de Husserl privilegia a posição de Heidegger, ao contrário de uma leitura essencialista. A busca das essências é, nada mais, que um meio de revelação da existência ou facticidade; não se pode pensar a essência desvinculada do mundo. Compreender, então, significa distinguir a singularidade de cada acontecimento. O objeto não é, portanto, constituído pela consciência, dado que o próprio conceito de consciência se dilui no último. Merleau-Ponty, critica,  também,  o conceito de intencionalidade: “"Só sairemos desse impasse quando renunciarmos à bifurcação entre ‘a consciência de...’ e o objeto, admitindo que meu corpo sinérgico não é objeto, que reúne um feixe de ‘consciência’ aderente a minhas mãos, a meus olhos...”"(Merleau-Ponty). A noção de verdade em Merleau-Ponty caminha, então, na direção do sentido que aparece e desaparece, escapa, na opacidade do mundo. A verdade é um movimento em constituição, não um estado. Esse momento se constitui na minha relação com o mundo, no meu campo perceptivo e o que caracteriza a essência dessa verdade é o mistério inesgotável, uma gênese perpétua, sempre aberta. A verdade é mistério, infinitamente recomeçando, inesgotável. Trata-se de revelá-lo. Merleau-Ponty rejeita as verdades fechadas e pensamentos idealistas. Põe a fenomenologia de pé no mundo. O conhecimento é sempre inacabado, não existe absoluto. Sua perspectiva tem uma postura política que desautoriza qualquer tipo de totalitarismo. Em "La doute de Cézanne", Merleau-Ponty  faz uma analogia entre sua filosofia e a pintura de Cézanne, mostrando que nesta pintura pode-se constatar que o real se mistura com a realidade, deformando, assim, a realidade. Para Merleau-Ponty, a pintura de Cézanne, assim deformada e com múltiplos contornos, é muito mais real que uma fotografia, por exemplo, que pretende retratar a realidade exata de um determinado momento. A fotografia perde o movimento e separa o real do imaginário, o que a transforma em algo fictício, irreal, já que a realidade, tal como percebida, está sempre em movimento e é sempre deformada, sobretudo porque não existe uma demarcação definida entre o real e o imaginário. "“Não assinalar nenhum contorno seria privar os objetos de sua identidade. Assinalar somente um significaria sacrificar a profundidade, quer dizer, as dimensões que nos facilita a coisa". O desenho resulta, assim, da cor e não de um traço único e, o mundo se coloca em sua espessura” como uma massa densa, um organismo de cores e de linhas. A cor lhe dá textura e consistência através de seus múltiplos contornos e não de um traço único e limitante, de maneira que a pintura de Cézanne retrataria, assim, o pensamento de Merleau-Ponty pela ruptura definitiva das dicotomias, através do reconhecimento das ambigüidades inerentes ao ser humano na idéia de múltiplos contornos.


Referências Bibliográficas:

Isabel Matos Dias, Elogio do Sensível, Lisboa, Litoral Edições, 1989

Maurice Merleau-Ponty, O visível e o invisível (1964), Brasil, Editora Perspectiva, 2003.

Maurice Merleau-Ponty, A dúvida de Cézanne,4 in Cadernos de Filosofia, Coimbra, Ideias e Comunicação, 1994.


Site de referência:

http://filosofiadaarte.no.sapo.pt


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Existo, logo penso, danço, corro, choro, amo, caminho, sinto, sofro, grito, etc...



Merleau Ponty e o corpo:


O pensamento de Merleau-Ponty se estrutura em três princípios diretores: o real é sempre o percebido, não há uma percepção sem mundo; o corpo habita o espaço e o tempo ao invés de estar no espaço e no tempo. As relações tecidas entre o corpo, o espaço e o mundo estão contidas, mais especificamente nas obras: Fenomenologia da percepção, O Visível e o invisível e O Olho e o espírito. Ponty afirmava que o corpo comunica-se com o mundo: “nosso corpo não está no espaço: ele é o espaço”, assim, cada um tem seu mundo privado, ao lado dos demais, a única certeza infalível é a da própria vivência, sendo ela  sempre uma experiência emocional. A certeza da vivência é fruto de um dado inicial: a sensação de estar vivo. Nessas condições, somos tentados a inverter a máxima de Descartes,  “Penso, logo existo”, pela fórmula: Existo, logo penso, danço, corro, choro, amo, caminho, sinto, sofro, grito, etc... As situações existenciais vivenciadas configuram o fato de que a consciência está sempre engajada no mundo e com ele mantendo relações significativas: “Sistema de potências motoras ou de potências perceptivas, nosso corpo não é um objeto para um “eu penso”: é um conjunto de significações vividas que tende para o seu equilíbrio” por isso,  “O corpo próprio está no mundo como o coração no organismo: ele mantém continuamente em vida o espetáculo visível, ele o anima e o nutre interiormente formando com ele um sistema”. “Meu corpo está onde há alguma coisa a fazer”. Por este motivo, podemos falar de uma possessão do corpo pelo mundo, uma incorporação onde colocamos o nosso centro de gravidade. Sartre afirmava: "o homem é um ser em situação”. Segundo Merleau-Ponty, também o ser é sempre sinônimo de ser situado.  Para Sartre, Merleau-Ponty foi o filósofo da compreensão da existência, do acontecimento, opondo-se a desrazão, opondo a história ao imobilismo do sujeito kantiano, “encontrava a sua segurança na multiplicidade das perspectivas: ele via nelas as facetas do ser”(Sartre).  A percepção era para Ponty a preocupação maior: o mundo através do corpo e o corpo através do mundo, “Mas o mundo é também a história: talvez nós sejamos, em primeiro lugar, históricos”(Ponty). Desde 1945 Merleau-Ponty escrevia: “Em resumo, nós aprendemos a história e afirmamos que ela não deve ser esquecida”. Sartre entendia a obra da cultura, os trabalhos, as dores, os utensílios, o regime, os costumes, como uma trama que ao mesmo tempo em que a pessoa a tece, cada vez mais a produz, mas não acreditava na intersubjetividade em que o amigo acreditava: “ele sofria pelas suas relações com as outras pessoas: (...) através da Natureza, nela, ele viveu essa intersubjetividade de imanência, que tantas vezes descreveu, e que nos faz descobrir através do outro a nossa espontaneidade”. Por outro lado, Sartre compartilhou com Merleau \Ponty as amarguras e as desilusões da guerra: “Nós tínhamos razão, em 1939, quando quisemos a liberdade, a verdade, a felicidade, as relações transparentes entre os homens, e não renunciamos ao humanismo. (Mas) a guerra... ensinou-nos que estes valores não permanecem nominais... sem uma infraestrutura econômica e política que os faça entrar na existência”. Sartre interrogava fatos e Merleau, os acontecimentos: “Isso correspondia a interrogar o acontecimento na sua imprevisibilidade, e sem espécie alguma de preconceito, para nele encontrar uma lógica da temporalidade”. Segundo esse pensamento, o tempo atravessa o vivido sintetizando a nossa percepção, por isso somos atravessados simultaneamente pelo passado, pelo presente e pelo futuro, “Em cada movimento de fixação, meu corpo ata em conjunto um presente, um passado e um futuro, ele secreta tempo”. Fazendo uma ligação com o pensamento de Nietzsche, para quem tudo se reduz ao tempo, o tempo é o único fator que importa para a filosofia, o tempo e a sua eternidade: “O fato de que o ‘espírito’ existe, e que  ele é um  devir, demonstra que o universo não tem fim, não tem estado final, que ele é incapaz de ser”.  A partir dessas colocações, Nietzsche conclui: “Nada me impede de calcular para trás a partir do momento presente e de dizer: ‘Eu não chegarei jamais ao fim’, assim como eu posso, a partir deste mesmo instante presente, calcular para diante até o infinito".

Referências Bibliográficas:

CAPALBO, Creuza.  A Filosofia de Maurice Merleau-Ponty.  Historicidade e 
ontologia. Londrina: Humanidades, 2004. 

CUNHA, Maria Helena Lisboa da. Espaço real, espaço imaginário. Rio de Janeiro: 
Editora Uapê Espaço Cultural, 1998. 

Chauí, M. S. (1981). Da realidade sem mistérios ao mistério do mundo Espinoza, Voltaire, Merleau-Ponty. São Paulo: Brasiliense.      

Merleau-Ponty, M. (1994). Fenomenologia da percepção (Carlos Alberto Ribeiro de Moura, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Texto original publicado em 1945)   

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A carne, o verbo, o desejo, a linguagem, a história se entrelaçam e constituem o visível e o invisível do corpo.



Merleau Ponty:


Maurice Merleau-Ponty nasceu no dia 14 de março de 1908, em Rochefort-sur-Mer, no departamento de Charente-Maritime, na França. Seu pai foi morto durante uma batalha da I  Guerra mundial, em 1914. Foi educado por sua mãe, vivendo em companhia de uma irmã e um irmão mais velho. Apesar da perda do pai Merleau-Ponty parece ter tido uma infância feliz, porque se refere a sua doce contingência natal em algumas passagens do livro  "Fenomenologia da Percepção", considerado sua principal obra, diz o filósofo: "É no presente que compreendo os meus vinte e cinco primeiros  anos   como uma infância prolongada que devia ser seguida por uma servidão difícil, para chegar, enfim, à autonomia. Se me reporto a esses anos, tais como os vivi e os trago em mim, sua felicidade recusa-se a deixar-se explicar pela atmosfera protegida do ambiente familiar, é o mundo que era mais belo, as coisas que eram mais atraentes, e nunca posso estar seguro de compreender o meu passado melhor do que ele se compreende a si mesmo quando o vivi, nem fazer calar seu protesto. A interpretação que lhe dou está ligada à minha confiança na psicanálise; amanhã, com mais experiência e mais clarividência, talvez eu a compreenda de outra maneira e, consequentemente, construa de outra maneira o meu passado." Merleau Ponty frequentou a Escola Normal Superior, em Paris, formou-se em filosofia em 1931. Durante a II Guerra Mundial (1939-1945), participou do Exército francês como oficial. Em 1945 tornou-se professor de filosofia na Universidade de Lyon e, em 1949, assumiu a cátedra da mesma disciplina na Sorbonne, em Paris. A partir de 1952, foi convidado a lecionar no Collège de France. Nesse período também colaborou na revista "Les Temps Modernes" com o filósofo Jean-Paul Sartre. Rompeu com ele em 1953, por causa da simpatia de Sartre pelo partido comunista francês e pela União Soviética (URSS) de Stalin. Entre suas principais obras estão a Fenomenologia da Percepção (1945), O Elogio da Filosofia (1953) e Sinais (1961). Também produz ensaios sobre política, como Humanismo e Terror (1947). Morreu em Paris em 4 de maio de 1961aos 53 anos,acometido por trombose coronária. Merleau Ponty é considerado um dos mais importantes pensadores modernos, ele compreende a reflexão e a existência como a presença do ser no mundo, cuja expressividade o corpo possibilita e inaugura. As dimensões do pensar, da temporalidade e da liberdade são vistas como possibilidades do ser no mundo, expressões existenciais do sujeito encarnado. O tempo é a maneira como o ser humano concretiza o seu próprio ser e, por extensão, o ser dos outros. O tempo é a forma como projetamos nossas experiências, nossa relação com os outros. Nesse movimento, o sujeito e o mundo vão projetando sentidos. Em 1926 Ponty conheceu JeanPaul Sartre, Simone de Beauvoir, Claude Lévi-Strauss e outros estudantes que nessa época questionavam a filosofia ensinada na Universidade e nos liceus, cujos cursos abordavam 
somente até Kant. Eles reconheciam a importância do filósofo alemão, mas queriam que a filosofia 
tratasse dos problemas e questões de sua época, tais como: novas descobertas da psicologia e da psicanálise; a iminência da guerra, da luta de classes; o movimento impressionista e o surrealismo no campo da arte. Enfim, que a filosofia se preocupasse com a existência humana. Esse movimento causou grande impacto na intelectualidade francesa, sobretudo por pensar a condição humana em seu meio natural, cultural e histórico, como ser-no-mundo, mas do que como essência ou como  ser ideal, como fazia a chamada filosofia da consciência, inaugurada por Descartes e estabelecida com Kant.  Merleau-Ponty, dizia Sartre, fez com que abandonássemos o  lampião para deslocar a reflexão para o homem que o acendia. O que os homens fazem, pensam, o que falam,  suas dores e alegrias, seus desejos, é o que interessava a Merleau Ponty. Buscar os sentidos, as intenções e a reaprender a ver o mundo, é o que compôs seu método de investigação filosófica.  Se não fosse filósofo poderia ter sido antropólogo, como o amigo Lévi-Strauss. Simone de Beauvoir afirmava que Merleau-Ponty tinha um profundo respeito pelas ideias e que demonstrava rigor com as palavras, expressando-se por meio de atitudes comedidas e muitas vezes demasiadamente cerebrais, embora fosse extremamente gentil e sereno. Sempre reservado, sabia se posicionar de modo elegante. Mesmo em férias, dedicava, diariamente, duas a três horas ao estudo, leituras e anotações  para os cursos e para os livros. Como professor, influenciou uma geração de novos alunos, alguns deles mais tarde tornaram-se grandes pensadores, tais como Le Breton, Pontalis, Foucault, entre outros. Em suas memórias, a autora nos conta o envolvimento afetivo de Merleau-Ponty com Elisabeth, Zazá.  O romance não deu certo, por proibição dos pais da moça que ameaçaram o jovem Merleau Ponty de tornar público o envolvimento de sua mãe com um professor universitário.  Para não prejudicar a reputação de sua mãe e comprometer o casamento da irmã, ele afasta-se de Zazá. A jovem adoeceu e com transtornos psiquiátricos foi internada em uma clínica, onde morreu.  Posteriormente Ponty casou-se com Suzanne e teve uma filha, Marianne. Em 1949 Ponty assumiu a cadeira de Psicologia e Pedagogia na  Sorbonne, sendo substituído por Piaget, em 1952, ao assumir a Cátedra  de Filosofia no  Collège de France. Destaca-se a polêmica entre os que defendiam  a postura fenomenológica e os que defendiam a epistemologia genética. Piaget contava, com humor, ter lido em uma das provas, quando do primeiro exame que aplicou aos alunos de Merleau-Ponty, a seguinte frase: "Piaget não entendeu nada como provou o professor Merleau-Ponty", referindo-se às críticas aos estágios do pensamento propostos por Piaget. Merleau-Ponty viveu a Segunda Guerra Mundial e a ocupação da França pelos alemães. Junto com Sartre e outros intelectuais franceses fez parte da resistência em um grupo criado por eles chamado Socialismo e Liberdade.  Essa atividade política contribuiu para suas reflexões sobre a história, a política e a dialética. Com o fim da Guerra, em 1945, funda com Sartre a revista  "Les Temps Moderns" (Tempos Modernos), da qual será o editor político até 1952. Essa era uma época de vigor do pensamento marxista, Ponty escreveu vários artigos,  nos quais críticou a ortodoxia marxista e marcou suas divergências políticas com Sartre. Nestes escritos, teceu considerações sobre as interpretações mecanicistas do marxismo que afetavam a compreensão da dialética, dos movimentos revolucionários e da História. Em 15 de janeiro de 1952,  Merleau-Ponty pronunciou no Collège de France sua aula inaugural intitulada "O elogio da filosofia", cujo texto foi publicado em 1953. Neste ensaio, disse que o que caracteriza o filósofo era o movimento que levava, incessantemente, do saber à ignorância, da ignorância ao saber. Em 1961,  publicou o ensaio  "O olho e o espírito", considerado como um ensaio estético, um exame sobre a pintura e sobre o sensível como modo de conhecimento. Sabe-se que Merleau-Ponty era apaixonado pela pintura, segundo amigos,  ele sempre buscou novas formas de pensar e interrogava até o mínimo gesto, o menor detalhe de uma sensação ou de uma imagem. Era um homem de nuanças, de fronteiras, de ligações, talvez por isso tenha elegido o corpo como tema privilegiado de sua filosofia. " O visível e o invisível" contém o afastamento de Merleau-Ponty de uma filosofia da consciência e o investimento em uma filosofia da carne, do ser selvagem e  do corpo apanhado na experiência sensível. Essa obra aprofunda e amplia as idéias contidas em suas primeiras obras, enfatizando a subjetividade encarnada e reconhecendo a necessidade de manter o ponto de vista da consciência, o sentido do corpo e do sensível como realidade essencial do humano. Essa trajetória de Merleau-Ponty não é marcada por uma primeira fase de adesão à filosofia da consciência e uma outra fase de definição da ontologia do sensível, sem comunicação entre ambas. Desde os primeiros trabalhos já se delineia a corporeidade como realidade ontológica, sendo inegável a relação do corpo com o sensível. É importante compreender o que significa essa ruptura com a filosofia da consciência em Merleau-Ponty e as possíveis contribuições para as investigações  contemporâneas do ser humano e de suas mais diversas produções, colocando em cena o ser selvagem e o corpo. A experiência do corpo configura um conhecimento sensível sobre o mundo expresso,  pela sensibilidade dos gestos, das relações amorosas, dos afetos, da palavra dita e da linguagem poética, entre outras possibilidades da experiência existencial. "A apreensão das significações se faz pelo corpo: aprender a ver as coisas é adquirir um certo estilo de  visão, um novo uso do corpo próprio, é enriquecer e reorganizar o esquema corporal" (Ponty). A carne, o verbo, o desejo, a linguagem, a história se entrelaçam e constituem o visível e o invisível do corpo.

Referências Bibliográficas:
CARMO, P. S. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2002
COELHO JUNIOR, N. & CARMO, P. S. Merleau-Ponty: filosofia como corpo e existência.

Site de referência:
http://www.cbce.org.br/cd/resumos/129.pdf
São Paulo: Escuta, 1991


O eu não existe só, ele (o eu) não é, ele necessita da circunstância para ser.



As circunstâncias e a curiosa história de Kaspar Hauser:



Ortega y Gasset, vendo-se envolto numa atmosfera conturbada em sua época, buscou compreender sua situação concreta no contexto próprio em que se encontrava. Para isso caminhou pelo viés do historicismo para assimilar de modo mais pleno a Espanha naquele exato momento histórico, isto é, em sua circunstância. Resumidamente, o conceito de circunstância é a realidade das coisas e de mim na vida, na minha vida. A realidade das coisas ou a do eu dá-se na vida, como um momento dela. Assim, o momento único – que contém a minha circunstância – é algo somente meu, relaciona-se somente comigo na forma indivisível com que se apresenta, e alimenta em mim a necessidades de ação. Ninguém é alheio à circunstância, não há jeito, modo, maneira de se livrar dela, não há como estar fora de uma dada circunstância. Ela se mostra a nós seguindo o ritmo histórico de progressão dos fatos. Uma vez que “eu sou eu e minha circunstância”,  me vejo impossibilitado de agir sem uma reflexão, por mais pequena que seja, e me coloco a necessidade de tomar decisões. A vida, a  minha vida, é  uma sucessão de fatos amoldados que me coloca a par de todo o contexto a que me submeto. O eu não existe só, ele (o eu) não é, ele necessita da circunstância para ser. Temos de ser e, para ser, o que nos ocorre é adentrar em nossa circunstância para, a partir dela, abraçarmos um percurso próprio e que nos leve à realização pessoal. Por nossa circunstância, nos tornamos seres solitários, vivemos uma vida individual e distinta de outro. Vivemos nossa circunstância única, que não se repete e com isso, somos levados a  nos diferenciar de tudo. Diante de minha circunstância, me proponho, por força do desenrolar histórico, a me mover e, assim, neste movimento, me construo, me faço. Uma simples análise e reflexão sobre o que é circunstância e o quanto ela determina o nosso quadro de possibilidades, torna curioso e desafiador o caso do menino Kaspar Hauser. Ele apareceu pela primeira vez numa praça de Nuremberg, em maio de 1828, era um estranho, ninguém sabia quem era ou de onde vinha, trazia uma carta de apresentação anônima para o capitão da cavalaria local, contando que fora criado sem nenhum contato humano, em um porão, desde o nascimento até aquela idade (provavelmente 15 ou 16 anos) e pedindo que fizessem dele um cavaleiro como fora seu pai. Ficou-se sabendo mais tarde (quando K. Hauser aprendeu a falar) que uma pessoa, que ele não conheceu, tratava dele enquanto esteve isolado, deixando-lhe alimentos enquanto dormia. Foi acolhido na casa de um professor que se responsabilizou  em iniciar sua socialização. Quando apareceu em Nuremberg, o garoto não entendia nada do que lhe diziam, e não sabia andar direito, parecia um menino dentro de um corpo adolescente. Seu comportamento estranho para os padrões sócio-culturais estabelecidos, causava um misto de espanto e interesse. Era visto como um "garoto selvagem", apesar de demonstrar ser dócil, simples e gentil. Possuía algumas habilidades como conseguir enxergar muito longe e no escuro, além de gostar de animais, principalmente dos pássaros. Ao mesmo tempo tinha medo de galinhas e fugia delas aterrorizado. Graças à sua curiosidade infantil e memória notável, aprendeu várias coisas muito depressa. Kaspar Hauser tornou-se uma espécie de atração por sua história de vida diferente. Todas as pessoas da cidade queriam vê-lo.  Muitas foram as hipóteses levantadas para explicar o fato de Kaspar Hauser ter sido criado no isolamento. Dentre essas hipóteses há duas explicações principais: a primeira diz que ele seria um mendigo espertalhão e que fingia toda a história para atrair a simpatia alheia, a segunda explicação, porém trabalha com a hipótese de que ele seria neto de Napoleão Bonaparte. Hauser foi criado no isolamento e privado de educação, condicionamento e repressão, sendo exatamente esse processo de  integração o escolhido para educá-lo, e o instrumento principal desse processo era  a linguagem, em sua socialização, Hauser teria que aprender aquilo o qual nunca desenvolveu, isto é, a representação de si e do mundo. O século XIX, época em que Kaspar Hauser viveu, foi um período marcado pela perspectiva positivista, evolucionista e desenvolvimentista. A visão de que havia um modelo de civilização e de desenvolvimento a ser alcançado, tanto pelos homens, como pelas sociedades, estava em seu auge. Todos aqueles que não correspondiam ao protótipo do homem "civilizado" eram classificados como primitivos, atrasados e deveriam ser "ajudados" a alcançar graus mais avançados na escala de desenvolvimento e evolução. É dentro dessa visão de mundo que  Hauser vai ser socializado. Ao chegar em Nuremberg ele sabia apenas repetir, com dificuldade, a mesma frase ("quero ser cavaleiro como meu pai"). As pessoas o viam com estranheza, tinha vivido sozinho, solitário no vazio de sua cela, e esta era sua circunstância. Não tinha muitas opções de escolha e, principalmente, não tinha aprendido a definir o que era escolher ou mesmo que lhe havia esta possibilidade, ele não conhecia a capacidade de optar e opnar, não era consciente de sua liberdade, noções básicas que se aprendem com os primeiros contatos com nossos pais, e imitando-os, num primeiro instante, aprendemos a fazer as nossas escolhas, aprendemos a reconhecer e refletir nossa circunstância. Ele não reconhecia o próprio passado,  porque jamais lhe fora ensinado ou teve exemplos a seguir, sendo, justamente, esta rememoração que se  faz essencial para nossa ação, porque nosso passado é indicador  dos nossos possíveis caminhos já que vem formando, uma após outra, nossa circunstância. Hauser não concebia que lendo nosso passado vamos ao encontro de nós mesmo, retomamos as relações anteriores com a circunstância passada e fazemos as escolhas pautadas neste avivamento do  presente. Todas as relações que construíram nossa circunstância são levadas em conta quando vamos agir em nossa liberdade. Na lápide de Kaspar Hauser, no cemitério de Ansbach, na Alemanha, há uma inscrição que diz: "Hic occultus occultu uccisus est." Quer dizer: "Aqui jaz um desconhecido assassinado por um desconhecido." 


Referências Bibliográficas:

Blikstein, I. (1983). Kaspar Hauser ou a fabricação da realidade. São Paulo: Cultrix / EDUSP.      

Vygotsky, L. S., & Luria, A. R. (1996). Estudos sobre a história do comportamento: O macaco, o primitivo e a criança. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.

Site de referência:
http://www.scielo.br
http://www.consciencia.org/o-circunstancialismo-em-ortega-y-gasset
filme "O enigma de Kaspar Hauser" - Herzog, Werner (Alemanha, 1974)


segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O homem tem que salvar a si mesmo.



"A vida é um contínuo fazer, porque nada é dado de fato, temos que nos fazer. A vida é um problema que temos de resolver."Ortega y Gasset.

Raciovitalismo:


José Ortega y Gasset iniciou sua intelectualidade entre os idealistas neokantianos da escola de Marburgo, na
 Alemanha. Foi então que ele se descontentou com a configuração do idealismo que propunha uma consciência vazia, sem nenhuma vivência ou experiência para almejar algo mais dinâmico com a história. Em seguida, se indispôs com as teorias que validavam a universalidade da ciência, sobretudo com os positivistas. Nesta fase, o filósofo se perguntou o que é que assegura a objetividade do pensamento? A partir daí, ele chega à fenomenologia de Edmund Husserl,  que explicava que a ação da consciência consistia num conhecimento direto ao objeto. Ainda assim, Ortega sentiu a ausência de vivência, em seu sentido concreto e, finalmente, se descontenta com o método fenomenológico. Mas, encontra em Wilhelm Dilthey a possibilidade de relacionar as estruturas históricas e as estruturas humanas sem elaborar esquemas formais, mas era preciso descobrir qual categoria seria possível para equalizar tais estruturas. Assim, a distinção de Ortega surge como uma reação ao idealismo, ao positivismo e à fenomenologia. Para ele, tais correntes filosóficas construíram fórmulas sobre a verdade numa consciência vazia de experiência; reduziram o conhecimento às perspectivas subjetivas relativizando a verdade; e valorizaram o tecnicismo. Todas estas correntes filosóficas já não sintonizavam com os fatos históricos do século XX vividos pelas guerras, totalitarismos e a massificação da sociedade. Sob a influência do pragmatismo anglo-americano, que incentivava a realização de um projeto, Ortega admite a possibilidade de aliar concretamente a história e o homem. E esta interseção seria possível se essa categoria fosse a vida, e para ele a vida é uma manifestação radical,  isso não quer dizer apenas algo único e extremo. O termo “radical” significa as instâncias que ligam as coisas, os fatos da vida em suas variadas circunstâncias. Para ele, a vida é uma categoria que funde a noção com a atividade na realidade. E realidade, para Ortega, é o hábito da mente em se sincronizar com os fatos históricos Então, a esta sincronia entre pensar em conjunto com os fatos históricos se chama Raciovitalismo ou Razão Vital. Ao denominar como raciovitalismo, Ortega explicou que não desejava se deixar confundir com os racionalistas e nem com os vitalistas. Para ele, o racionalismo é a busca de um método para postular a verdade, pela consciência simples; o vitalismo é a submissão às leis orgânicas e instintivas do corpo biológico. Então, o seu raciovitalismo não pode pretender copiar o racionalismo e nem se reduzir ao vitalismo. Para se diferir, o filósofo explica que o raciovitalismo é o uso da razão para investigar algum componente que seja estranho a história e à vida, para compreendê-lo. E a vida é histórica. Ao compreender a vida como histórica, ele nos dá a dimensão da cultura e da civilização como meios que fornecem os problemas e os fundamentos filosóficos que devem ser pensados. Na prática, Ortega constrói uma moderação nos campos teóricos e sente que este era o compromisso que a Filosofia tinha com a sociedade e com a História. O raciovitalismo não usa categorias como: eu, homem e existência. Para Ortega, nenhuma destas categorias exprime o indivíduo concreto. O sentido do raciovitalismo é compreender as circunstâncias e permitir que haja escolhas do que se quer fazer de forma concreta e não se lamentar. A originalidade de Ortega é que ele não caracteriza a vida pela irracionalidade, nem pela racionalidade e também não encontra alternativas subjetivas e nem simplesmente objetivas como era corrente por seus contemporâneos. O sentido que ele postula sua filosofia é em buscar um pensamento para viver, e não uma vida para pensar: "A teoria do conhecimento é parte da vida. No entanto, quero ser um meio termo entre o racionalismo e o vitalismo, ou seja, entre Kant e Nietzsche."  O fato não pode ser separado do ser humano, a vida humana é um projeto no sentido de que o homem tem de criar-se, de inventar-se. O homem não é senão um fato contínuo, em fazer e refazer, projetado para o futuro. 



Referências bibliográficas:
SAVIGNANO, Armando.  José Ortega y Gasset. Cristianismo secularizado.  In PENZO, 
Giorgio & GIBELLINI, Rosino. Deus na filosofia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998. 
VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Lisboa: Relógio D’água, 1992.

Site de referência:
http://html.rincondelvago.com/raciovitalismo.html




domingo, 22 de janeiro de 2012

"Se ensinares, ensina ao mesmo tempo a duvidar daquilo que estás a ensinar." Ortega y Gasset





" O mundo é o repertório das nossas possibilidades vitais. Não é, pois, algo à parte e alheio à nossa vida, mas é a sua autêntica periferia." José Ortega e Gasset


José Ortega y Gasset nasceu em Madrid, Espanha,  a 9 de maio de 1883. A família de sua mãe era proprietária do jornal madrilenho "El Imparcial" e seu pai jornalista e diretor desse mesmo diário.  Essa relação com o jornalismo foi essencial para o desenvolvimento de sua formação intelectual e seu estilo de expressão literária. Grande parte de seus escritos filosóficos foram produzidos a partir do contato com a imprensa. Ortega, além de considerado um dos maiores filósofos da língua espanhola também é lembrado como uma das maiores figuras do jornalismo espanhol do século XX. Cursou as primeiras letras em Madrid 
e cursou o bacharelado em um colégio jesuíta de Málaga. Embora reconhecendo o valor da educação jesuítica recebida, reagiu contra os  fundamentos da ciência adquirida, formulando um projeto pessoal de reforma da filosofia européia. Terminando os estudos em Málaga iniciou seus estudos universitários em Deusto e depois na Universidade de Madrid, onde se doutorou em Filosofia. Buscando uma formação intelectual mais sólida continuou seus estudos em Marburgo, na Alemanha, onde prevalecia o neokantismo. Com o desenvolver dos seus estudos, Ortega começou a adotar uma atitude crítica em relação aos seus mestres e a Kant, que se refletiu na afirmação: "Durante dez anos vivi no mundo do pensamento kantiano: eu o respirei como a uma atmosfera que foi, ao mesmo tempo, minha casa e minha prisão (...) Com grande esforço, consegui evadir-me da prisão kantiana e escapei de sua influência atmosférica". A partir de 1910 iniciou uma vida pública repartida entre a docência universitária e atividades políticas e culturais extra acadêmicas. Com o início da guerra civil espanhola, em julho de 1936, Ortega decidiu andar pelo mundo, viajando à França, Holanda, Argentina, Portugal, países onde proferiu inúmeras conferências, faleceu em Madrid no dia 18 de outubro de 1955.  José Ortega y Gasset foi um filósofo que viveu os problemas de seu tempo e se preocupou com o destino da Espanha, que, em sua época, encontrava-se fragmentado, dividido e semeado por vários problemas sociais e políticos, que o impediam de acompanhar o desenvolvimento das outras nações européias. Para enfrentar esses problemas, Ortega pensou em uma solução sob à luz de uma teoria da realidade, que ele elaborou e que se tornou conhecida como raciovitalismo. Essa teoria centrava-se no conceito de vida experimentado na primeira pessoa. Com a  frase:  "Eu sou eu e minha circunstância", Ortega particulariza os problemas de cada homem. Com a continuação desta mesma frase:  "Se não salvo a ela (circunstância) não salvo a mim", o filósofo indica que o homem pode mudar a sua vida, transformando a realidade em que vive, e se não fizer nada, afunda-se na circunstância e não dá sentido à sua própria vida. Formulando um pensamento diferente do realismo antigo e do idealismo moderno, Ortega afirma que não podemos pensar o mundo sem o Homem e nem este à parte do mundo. Ao abrir a compreensão da existência para um diálogo com a cultura e com o tempo, Ortega nos fala da responsabilidade com o  mundo a ser criado por nossas vidas, sua filosofia contempla  a responsabilidade de construir uma existência pessoal num mundo sem garantias e perigoso, numa história sem sentido prévio. Viver é abrir-se ao contato com os outros homens e com  as coisas,  é sair de  si mesmo, é arriscar-se  na construção do futuro. A filosofia de Ortega constituiu-se como uma forma inovadora de pensar, colocando o fundamento na vida e transformando-a numa realidade capaz de alterar as circunstâncias e realizar a vocação de cada Homem. Para Ortega, os problemas sociais e políticos encontrados na Europa, do seu tempo,  seriam causados  pela padronização do comportamento que forma a  massa social. O que o preocupava era o Homem não se comprometer com sua vocação ou missão.O Homem-massa, como ele  tratava as pessoas com esse tipo de comportamento, é o indivíduo que não atribui a si  um valor e, certamente, não se angustia com  isso, sente-se bem por ser igual aos demais. Dessa forma, o problema social constitui-se em um aglomerado de homens sem a preocupação de discutir os rumos políticos da sua nação e, desorganizados, constituírem blocos. Esse distanciamento dos  homens dos assuntos  políticos fez nascer lideranças demagogas. Esse acontecimento é o que Ortega chama de hiperdemocracia das massas assim compreendido: quem não for como todo mundo, quem não pensar como todo mundo, correrá o risco de ser eliminado. Essa hiperdemocracia é a imposição das massas quanto aos seus gostos, que muitas vezes estão vinculadas a pressões materiais, e ao desejo de  poder sem o reconhecimento de leis, sem se preocuparem com a vida. O conceito de massa explica as dificuldades da sociedade contemporânea em se firmar como sociedade. Um dos sintomas mais evidentes da hiperdemocracia é o propósito das massas de fazer justiça por seus próprios meios. Ela recorre ao linchamento sem o reconhecimento das leis que asseguram a paz. Ortega  verifica que, quando as massas triunfam, reina também a violência. Para controlar a violência das  massas, nasce o Estado Ditatorial.  O Homem-massa não se preocupa com sua civilização, sua cultura e sua educação, que são os caminhos que ele tem para sair da vulgaridade. O resultado dessa situação é fatal para a vida humana porque os homens passam a viver em função do Estado, esta seria a razão dos governos totalitários haverem se espalhado em todo o mundo.  Segundo Ortega, o Homem-massa perdeu a responsabilidade e o sentido de uma vida que é única.


Site de referência:

http://www.culturabrasil.org
www.ortegaygasset.edu

sábado, 21 de janeiro de 2012

"Não basta pensar, É preciso sentir nosso destino". Miguel de Unamuno



“A oração do ateu”.

Ouve meus rogos Tu, Deus que não existes,
e em Teu nada recolhe estas minhas queixas;
Tu, que aos pobres homens nunca deixas
sem consolo de engano. Não resistes
ao nosso rogo, e nosso anelo viste,
quando mais Te afastas de minha mente;
mas recordo os doces conselhos somente
com que minh’alma acalentou noites tão tristes.
Quão grande és, meu Deus! Tu és tão grande,
que não és senão Idéia; é muito estreita
a realidade por muito que se expande 
para abarcar-te. Sofro eu por tua causa,
Deus não existente, pois se tu fosses realidade,
eu também existiria de verdade.

(Unamuno)


Miguel de Unamuno nasceu em 1864, em Bilbao, na região basca, foi o terceiro dos seis filhos de Félix Unamuno,  proprietário de uma padaria, e de Salomé Jugo, que era sua sobrinha. Quando seu pai morreu, Unamuno foi criado por um tio. Em sua infância, ele testemunhou a violência entre as forças progressistas e tradicionalistas durante o cerco de Bilbao, essa experiência deixou marcas profundas no seu pensamento político. Cursou  filosofia e letras. Recebeu o título de doutor ao apresentar uma tese sobre a língua basca. Dominava 14 idiomas, e para ler Kierkegaard no idioma original, aprendeu dinamarquês. Voltou para Bilbao, onde ficou até 1891. Foi nesse ano que Unamuno obteve a cátedra de Grego na Universidade de Salamanca e, em 1901, foi nomeado como reitor da mesma universidade. Em 1914, Unamuno foi destituído do cargo de reitor por causa de suas posições políticas. Apesar de ter retornado ao cargo  foi afastado diversas outras vezes, pelos mesmos motivos. Em 1924 exilou-se na França, e lá ficou até 1930. No ano seguinte, com a proclamação da República, Unamuno pode assumir de novo o cargo de reitor na Universidade de Salamanca,  desencantou-se com o governo republicano e passou a ser entusiasta dos militares rebeldes, que eram comandados pelo general Francisco Franco. Seu novo posicionamento fez com que fosse novamente destituído, em 1936 quando começou a Guerra Civil Espanhola. Os franquistas, após dominarem a cidade, levaram Unamuno de volta ao cargo, mas perdeu-o mais uma vez, ao criticar o governo de Franco. Ficou em prisão domiciliar, onde permaneceu até os últimos dias de sua vida.  Miguel de Unamuno faleceu em 1936, em Salamanca. Unamuno é considerado o precursor do existencialismo em seu país, suas obras são conhecidas por romperem com os gêneros tradicionais. No centro do seu pensamento está o conflito profundo entre fé e razão, dois elementos que são, em princípio, antagônicos. A base sobre a qual Unamuno constrói seu pensamento é a afirmação de que não há filosofia sem um ser humano que filosofe, isto significa que a filosofia é um produto humano e de cada filósofo, e cada filósofo é um homem de carne e osso que se dirige a outros homens de carne e ossos como ele. Unamuno chama este homem que filosofa de "homem concreto, de carne e osso" e afirma que ele é o sujeito e, ao mesmo tempo, o supremo objeto de toda filosofia,  assim, Unamuno conclui que filosofa o homem, e  evoca um velho provérbio latino: " Priimum vivere, deinde philosophari ", (primeiro viver, depois filosofar) para lembrar que o filósofo antes de ser necessita viver para poder filosofar. É entre a vida e o pensamento, entre a existência e a filosofia, a racionalidade e a irracionalidade, que Unamuno localiza a fome de imortalidade, tão presente em sua obra, que revela a sede de eternidade e o desejo de querer viver sempre, presentes nos seres humanos. A fome de imortalidade nasce da constatação de que não podemos conceber-nos como não existindo, e, a partir disso, surge o anseio humano pela imortalidade, pela eternidade, que não é outra coisa que o amor entre os homens, pois quem ama a um outro é porque quer eternizar-se nele. Frente a vaidade do mundo Unamuno contrapõe o amor, sendo o único que preenche e eterniza a vida, o que pode lutar contra o destino, e o único que pode vencer o destino, e uma vez vencido o destino, abrem-se as portas da liberdade.


Site de referência:

http://pensador.uol.com.br

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Na origem da Filosofia está a experiência humana na sua plenitude." Berdiaeff



Leon Chestov e Nikolai Berdiaeff:


"Os metafísicos são muito mais obcecados pela necessidade de se persuadir da existência de Deus do que pela sua existência propriamente dita." Chestov


“Desde sempre, dividiram-se para mim os homens entre os dostoievskianos e aqueles a quem o espírito de Dostoievski era estranho” Berdiaeff


Nikolai Berdiaeff  foi, ao lado de Lev Chestov,  um dos mais conhecidos filósofos russos do início do século passado, que influenciou decisivamente o pensamento existencialista. Foi ele quem falou de uma “ideia russa” de cultura: “A ideia mestra da minha vida é a ideia do homem, do seu rosto, da sua liberdade criadora e da sua predestinação criadora. Mas tratar do homem é já tratar de Deus. Isso é essencial para mim”. E daí a necessidade da ligação da espiritualidade à existência, porque “ A Verdade implica a atividade do espírito do homem, o conhecimento da Verdade depende dos graus de comunidade que podem existir entre os homens, da sua comunhão no Espírito ”. Leon Chestov atuou no panorama do existencialismo francês juntamente com Berdiaeff, onde residiram como imigrantes desde a Revolução Soviética na Rússia, na antiga URSS. Chestov e Berdiaeff foram os dois mais importantes representantes do existencialismo russo. É quase impossível referir-se a Chestov sem que se faça menção a seu amigo Berdiaeff.  Durante o período entre as guerras, Primeira e Segunda Guerra Mundial, é constatada a presença de muitos escritores e filósofos russos em Paris, dando um certo ar de família, apagando um pouco as diferenças de pensamento desses pensadores e reunindo-os em torno da língua e da cultura russa. Chestov e Berdiaeff divergiam nas idéias e nos procedimentos, a concepção de mundo para ambos era bem diferente.  Berdiaeff e Chestov sempre discutiam, mas, de certo modo, tinham uma espécie de comunhão existencial, o que aponta o quanto pesquisavam a vida como sensação, liberdade e responsabilidade.


Site de referência:

http://www.cnc.pt



















quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Nostalgia de Deus.

"De Deus ao homem e do homem a Deus". Nikolai Berdiaeff.

Filósofo soviético nascido em Kiev, nascido e criado em uma família aristocrata, Nikolai Berdiaeff foi um dos principais representantes do existencialismo cristão, e crítico da maneira como as idéias de Karl Marx foram postas em prática na União Soviética. Envolvido em atividades marxistas foi condenado a três anos de exílio, depois de cumprida a pena morou em São Petersburgo, onde tomou parte em movimentos culturais e religiosos. Mudou-se para Moscou em 1907 e, após a revolução em 1917, lecionou filosofia na Universidade de Moscou, mas entrou em conflito com o regime e principalmente por suas ligações com a igreja ortodoxa russa, foi expulso do país. Radicou-se em Paris, cidade onde, com outros exilados, fundou uma academia de estudos filosóficos e religiosos em 1924 e um jornal, 'Put' em1925, por meio do qual combateu o comunismo. Paralelamente combateu também a ordem industrial capitalista, responsabilizando-a pela desumanização da sociedade e da cultura.  Berdiaeff entendia que a felicidade não era organizável, " A felicidade escapa a todo tipo de planificação e ordenamento porque sua matéria-prima é a liberdade, e a  felicidade de um não coincide com a de outro". Entre seus trabalhos estão: A Filosofia da Liberdade (1916), O sentido da história (1923), A Idade Novo Oriente (1924), O Homem ea Máquina (1933), O destino do homem no mundo contemporâneo ( 1934), o cristianismo ea realidade social (1934), Cinco meditações sobre a existência (1936), a metafísica Teste escatológico (1946), A idéia russa (1946) e Escravidão e liberdade do homem (1947).  Berdiaeff concebe a filosofia como o conhecimento do mistério do ser humano, porém esse conhecimento deve ser feito com referência à existência humana. Berdiaef, sublinha a natureza essencial do homem e da liberdade, sendo que essa liberdade expressa-se no desenvolvimento criativo, e na conjunção das três dimensões do homem: espírito, alma e corpo. Ele distingue duas liberdades: a liberdade-graça e liberdade-escolha.  Berdiaef faz um retorno à existência autêntica, acreditando que a humanização de Deus em Cristo abre o caminho para  tornar  o homem Deus. A história é o cenário onde desenvolve-se o drama da existência até o fim transcendente na divindade perfeita. Berdiaeff defende um espiritualismo profetizante. Sobre o fundo comum do existencialismo, concebe o homem como indivíduo, ligado ao mundo da natureza. Mas o homem, segundo Berdiaeff,  supera o limite que o separa de sua própria singularidade, colocando-se como pessoa. O homem, enquanto pessoa, vive sua própria existência, vive sua própria vocação com consciência e responsabilidade. A solidão originária do homem, para Berdiaeff, não pode ser resolvida senão em Deus: "É nele que a plenitude pode ser alcançada, após descoberto o verdadeiro sentido da existência". "Ontologicamente, a solidão é a expressão da nostalgia de Deus como sujeito e não mais como objeto, porque Deus não pode ser nunca um objeto, um outro, senão que vive na alma e revela-se como momento constitutivo da personalidade espiritual do homem. Na profundidade do espírito, nasce essa humana e eterna nostalgia de Deus, e a procura de Deus por parte do homem transforma-se na procura de si mesmo, da própria humanidade". Neste surgir de Deus na alma, Berdiaeff encontra um movimento duplo: "De Deus ao homem e do homem a Deus". Portanto, pensa Berdiaeff que "na filosofia e na teologia seria necessário começar não pelo homem, nem por Deus, mas pelo Deus-Homem. A existência, então, desemboca no Deus-Homem, em Cristo, em quem se restitui o laço desfeito entre o homem e Deus, e o homem liberta-se da escravidão da natureza e da morte".  "Toda a vida é diferente depois da vinda de Cristo." Sob essa perspectiva,  Berdiaeff constrói um ética nova. "A ética da redenção completa-se por uma ética nova, criativa e profética, que carrega sobre o homem a responsabilidade pelo próprio destino e o do mundo".

Sites de referência:

 http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias

www.mcnbiografias.com


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O plural só começa com três.


"Todas as coisas são possíveis" Chestov.


Chestov  afirmava que todas as decisões do homem são   somente por ele tomadas. A existência precede a essência, ou seja, os fatos ou realizações da vida não são fruto de pré-estabelecimentos ideais ou divinos. O homem de hoje é fruto de suas decisões passadas, podendo desfrutar de plena liberdade de escolha, porém a liberdade pode estar ameaçada pela própria racionalidade humana, a partir do momento que ele é impedido de projetar-se ao Absurdo. Vê-se o Absurdo como o ilógico e indecifrável. Afirmar a existência de uma realidade extra-racional é afirmar o Absurdo. Logo, Deus é o absurdo e aquele que não o reconhece é escravo da razão. O homem livre é aquele que se projeta a Deus. Projetar-se a Deus não consiste na busca de melhor compreendê-lo ou classificá-lo, mas aceitá-lo como Absurdo. “No termo das suas análises, Chestov descobre o Absurdo fundamental de toda existência, não diz “eis o Absurdo”, mas “eis Deus”: é nele que se deve confiar, mesmo que ele não corresponda a nenhuma das categorias racionais que se possa ter. O homem racional somente consegue segurança existencial diante das convicções lógicas, plausíveis. Ele possui a necessidade da racionalização de sua realidade. O homem da fé está convicto da impossibilidade de se compreender Deus, e é diante dessa impossibilidade que ele se projeta a Deus pela fé. Deus é contraditório e incompreensível, mas está na medida em que o seu rosto é mais indescritível que mais se afirma seu poder. A sua grandeza é a sua inconseqüência ou não previsibilidade, ou seja, para que o homem mergulhe em Deus, é necessário a irracionalização de Deus. Para Chestov a aceitação do Absurdo é contemporânea ao próprio Absurdo: Deus. Camus  escreveu sobre Chestov em “O Mito de Sísifo”:
“Nenhum dos fatos irônicos ou ridículas contradições que depreciam a razão escapam a ele. Apenas uma coisa o interessa, e é a exceção, seja no domínio do coração ou da mente. Através das experiências dostoiveskianas do homem condenado, das exacerbadas aventuras da mente nietzscheana, das maldições de Hamlet ou da amarga aristocracia de Ibsen, ele persegue, ilumina e magnifica a revolta humana contra o Irremediável.” Em 1936 visita Jerusalém, onde seu pai estava enterrado. A experiência foi definitiva para Chestov, e os reflexos dela forneceram o material para sua obra definitiva: "Atenas e Jerusalém", lançado em 1937, um ano antes de sua morte. Nessa obra, Chestov caracteriza Atenas, berço da filosofia e da civilização ocidental, como a cidade do triunfo da Razão e do Cientificismo; em oposição a ela, Jerusalém, a cidade espiritual que viu a encarnação do Deus Vivo. Atenas também é a cidade da Queda, tema que obssessivamente Chestov perseguiu durante toda a sua vida e que, igualmente, seduziu a Cioran: para ele, o mito de Adão representava a opção do homem em trocar a Fé pelo Conhecimento. Comendo o fruto da Árvore da Ciência, pecado que todos os homens repetem sem cessar, abre-se mão da liberdade primordial pela angústia da Consciência e da Razão. Para Chestov, A filosofia, longe de conduzir o homem ao conhecimento da Verdade, nada mais faz do que pegá-lo pela mão e levá-lo através de um caminho de mentiras, de conhecimentos falsos, de pretensões seculares; concede facilidades ao espírito e apenas isso, através daquilo que Chestov denomima verdades autoevidentes. Já a Fé, exige muito mais – a disposição para crer, para simplesmente acreditar em algo que não se pode provar por leis racionais, exige do homem, segundo Chestov, uma audácia que os modernos já não mais possuem, incapazes que estão de vislumbrar qualquer elemento que não se encaixe na lógica racional. Este é o principal mote de" Atenas e Jerusalém": acreditar é tão sem sentido que Deus só pode ser crível se experimentado como um absurdo. Escapa aos julgamentos, escapa até mesmo à linguagem. A vida em si se torna uma experiência que não se limita às categorias racionais; o cotidiano repetir de eventos, apenas um tedioso movimento.

Site de referência:
 http://existencialismo.sites.uol.com.br/chestov.htm

Referências bibliográficas:

Todas as coisas são possíveis, trans. por SS Koteliansky, introd. por DH Lawrence, Londres: Martin Secker, 1920, 244p.
Dostoiévski, Tolstoi e Nietzsche, traduções por Bernard Martin e E. Spencer Roberts, introd. por Bernard Martin, Athens (EUA): Ohio University Press, 1969
Atenas e Jerusalém, trans. por Bernard Martin, Atenas: Ohio University Press, 1966, 447p.
Kierkegaard ea filosofia existencial, trans. por Elinor Hewitt, Athens (EUA): Ohio University Press, 1969, 314p.





"Um homem não é outra coisa senão o que faz de si mesmo". Sartre.


" A filosofia toca o trágico e o absurdo se detendo em Deus, ou seja, Deus é o absurdo." Lev Chestov.

Lev Chestov Isaákovich nasceu em Kiev, Rússia em 1866, de família judia, estudou Direito e Matemática na universidade de Moscou. É considerado o principal expoente do existencialismo religioso na Rússia , viveu em São Petersburgo durante a Revolução Russa , após a revolução, exilou-se na França até sua morte em 1938 em Paris. Chestov foi inspirado por  Nietzsche em relação ao anarquismo , mas também foi influenciado pelo significado religioso de  Kierkegaard . Essas influências o levaram a investigar a história de abordagens filosóficas ocidentais, os confrontos críticos entre Fé e Razão, os expoentes da filosofia e literatura, a fim de concluir que o primeiro tem precedência sobre o segundo, isto é, A Fé antecede a Razão em relação à solução dos problemas transcendentais do homem. Chestov foi filósofo e escritor “radical”; um místico, contrário a filosofia especulativa, da ciência, da razão e da moral. Seu principal pensamento permeia a questão da fé incondicional, e sua filosofia, toca o trágico e o absurdo se detendo em Deus, ou seja, Deus é o absurdo. León Chestov, na verdade se chamava Issaakovitch Chuartzsman, dito Lev Chestov, como normalmente é conhecido. Polemizado contra as pretensões da razão e da ciência, defendeu a idéia de uma fé incondicionada, levando ao extremo a oposição entre fé e razão traçada por Kierkgaard.  Seu  trabalho filosófico "O Bom no Ensino de Tolstoi e Nietzsche", 1899 e "A Filosofia da tragédia, Dostoiévski e Nietzsche", 1903, mostram o quanto Chestov foi influenciado por esses grandes autores, a partir desses trabalhos, a reputação de Chestov como um pensador original e incisivo, aumentou consideravelmente. Em "Todas as coisas são possíveis", publicado em 1905,  Chestov adotou, assim como Nietzsche, o aforismo como estilo. Nesse trabalho, Chestov aborda questões como a religião , o racionalismo e a ciência, assuntos que ele iria examinar mais profundamente em escritos posteriores. A princípio, as obras de Chestov não foram bem recebidas, inclusive por alguns dos seus mais próximos amigos russos, muitos viram no trabalho Chestov  uma renúncia à razão, a metafísica , e até mesmo uma adoção do niilismo, no entanto, ele iria encontrar admiradores como os escritores  David Herbert Lawrence e seu amigo Georges Bataille . Em 1908 mudou-se para  Freiburg , na Alemanha,  ficou lá até 1910, durante esse tempo trabalhou arduamente, um dos frutos deste trabalho foi a publicação de "Vigílias Grandes e Palavras Penúltimas". Chestov retornou a Moscou em 1915. A tomada de poder dos bolcheviques em 1917 tornaram a vida difícil para Chestov, os marxistas o pressionaram a escrever uma defesa da doutrina marxista como introdução do seu novo trabalho, "Potestas Clavium", caso contrário não seria publicado. Chestov recusou-se indo para França como refúgio. Em Paris tornou-se figura popular e reconhecida onde sua originalidade foi rapidamente reconhecida. Nos anos entre guerras, Chestov continuou a desenvolver um pensamento de grande destaque. Durante este tempo, ele ficou totalmente imerso no estudo de grandes teólogos, tais como Blaise, Pascal e Plotino. Em 1926 Chestov foi apresentado a Edmund Husserl, com quem manteve um relacionamento cordial, apesar das diferenças radicais em suas perspectivas filosóficas. Em 1929, durante o retorno à Freiburg reuniu-se com Edmund Husserl , e foi estudou com Kierkegaard. A  filosofia de Chestov partilha grandes semelhanças como a de Kierkegaard no que se refere à rejeição ao idealismo, e sua crença de que o homem pode adquirir conhecimento  através da subjetividade. No entanto, Chestov sustentava que Kierkegaard não teria seguido essa linha de pensamento o suficiente, e  tentou prosseguí-la a partir de onde ele achava que essas ideias requeriam continuação. Os resultados desses estudos são vistos em seu trabalho "Kierkegaard e Filosofia Existencial". Em sua principal obra , "Atenas e Jerusalém", Chestov examina a necessidade  da "razão" ser retirada da disciplina de filosofia, já que a ciência se preocupa com fatos empíricos e de observação, enquanto a filosofia deve se preocupar com a liberdade , com Deus e com a imortalidade , questões que não podem ser resolvidos pela ciência.  Em 1938, Chestov contraiu uma doença grave, durante este período final, ele continuou seus estudos, concentrando-se em especial sobre a filosofia indiana , bem como nos estudos sobre seu contemporâneo , Edmund Husserl. Chestov morreu em uma clínica em Paris em 1938.

Site de referência:
www.letras.ufrj.br/



terça-feira, 17 de janeiro de 2012

"A Existência vem da sua liberdade".


"... quando eu era criança, li um velho conto judaico que não pude compreender, ele não dizia mais do que isso: 'Fora dos portões de Roma está sentado um mendigo leproso, esperando. Ele é o Messias'. Então me dirigi a um ancião, a quem perguntei : 'O que ele está esperando?' E recebi uma resposta que então não consegui entender, somente muito mais tarde. Ele me disse: 'Está esperando você'." Martin Buber.


Martin Buber:

A visão política de Martin Buber vincula indissoluvelmente paz e justiça, tanto nas relações interiores como nas exteriores às comunidades humanas. Ser um nós, para ele, é reconhecer que a responsabilidade constitui a face ética do diálogo, e entender que somente os que são capazes de dizer um ao outro: tu podem dizer um com o outro: nós. Nessa perspectiva, Buber afirmou: "Se todos estivessem bem vestidos e bem alimentados, então pela primeira vez o problema ético real passaria a ser totalmente visível."  A filosofia de Martin Buber constitui-se, propriamente, no debruçar-se sobre o sentido do humano, que ele compreende, essencialmente, como relação com o outro, com o mundo, com o transcendente. A sua filosofia do diálogo nos permite situar a formação a partir do compromisso com o mundo no qual vivemos. Uma elaboração que possibilite os indivíduos a se desenvolverem de maneira autônoma e autêntica. Martin Buber tornou-se conhecido por sua filosofia do diálogo, sobretudo pela sua elaboração na obra Eu e Tu, publicado em 1923. Trata-se de uma reflexão sobre o sentido do humano, ao mesmo tempo em que é um convite a uma existência autêntica, aquela que só se expressa na vivência dialógica. Compreendendo a pessoa humana como ser de relação, Buber a caracteriza segundo as palavras-princípios que ela pronuncia – Eu-Tu ou Eu-Isso, modos de existência que refletem dois pólos da mesma humanidade e a sua dupla atitude face ao mundo, compreendida como posição fundamental de se colocar a qualquer dos existentes. A relação Eu-Tu, reflete a atitude do encontro com o outro, expressão do significado mais profundo da existência humana, que se revela no engajamento, na solidariedade com o mundo; reflete o comprometimento incondicional com o outro. Já o relacionamento Eu-Isso expressa o distanciamento, a objetividade; reflete a atividade do saber, do experimentar, do utilizar. a relação Eu-Tu, não significa negar a importância do relacionamento Eu-Isso, cujo significado no campo do conhecimento objetivo, no trato com o mundo, é inegável. A relação, que é possibilidade de um encontro dialógico sempre novo, encontra-se envolta na condição de gratuidade, que nos permite reconhecê-la em sua dinâmica de abertura-expontaneidade. Como Buber afirma: “O Tu encontra-se comigo por graça; não é através de uma procura que é encontrado. Mas endereçar-lhe a palavra-princípio é um ato do meu ser, meu ato assencial”. A existência autêntica encontra-se profundamente vinculada à relação com o Tu Eterno. Uma relação que se constitui no mundo, pressupondo que aquele “que verdadeiramente vai ao encontro do mundo, vai ao encontro de Deus”(Buber). Umaexperiência que não afasta o homem da vivência mundana, mas o compromete com a sua existência e com as dos demais entes do mundo, enquanto confirmação de significado que não podemos experimentar mística ou intelectualmente, mas só podemos acolher e viver. Compreender o humano como ser de relação significa, por sua vez, a impossibilidade de compreendê-lo isoladamente, mas apenas na sua relação com o mundo: sua família, seu trabalho, suas responsabilidades e obrigações, experiências que nos permitem caracterizar o humano como ser essencialmente vinculado à comunidade. Segundo Buber, “Comunidade significa, aqui e agora, multiplicidade de pessoas, de modo que sempre seja possível para qualquer um que a ela pertença estabelecer relações autênticas, totais, sem finalidades...”

Referências bibliográficas:

BUBER, M. Eu e Tu. Trad. N. Aquiles von Zuben. 2ª ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
______. Do diálogo e do dialógico. Trad. Marta E. de S. Queiroz e R. Weinberg. São Paulo:
Editora Perspectiva, 1982.
______. Sobre comunidade. Trad. Newton Aquiles von Zuben. São Paulo: Perspectiva, 1987

Site de referência:

 http://pt.scribd.com


A existência é no mundo.


" A mediação entre o eu, o mundo e os outros, é a consciência de mim no meu corpo."Gabriel Honoré Marcel.

 Gabriel Marcel afirma que a  a existência é o ponto de partida e de referência do trabalho filosófico a partir da questão Quem eu sou? Sou uma encarnação, segundo Marcel.  A mediação entre o eu, o mundo e os outros, é a consciência de mim no meu corpo. A existência humana, para Marcel, é essencialmente itinerância, um movimento, um peregrinar orientado por um propósito. Ao nascer, o homem dá início a sua jornada neste mundo, no qual não tem morada definitiva. Existir é caminhar e não deixar nunca de caminhar. O peregrino  é um  ser encarnado, concreto e singular. Sempre situado no mundo, e, por ele constantemente influenciado. O peregrino se engaja para transfor o mundo, para dar-lhe sentido, é alguém que caminha sempre em busca de ser mais do que é. O peregrino, ao contrário do andarilho solitário, caminha engajado, com os outros, assim, o peregrinar é a condição de possibilidade para encontrar respostas àquelas interrogações mais profundas e decisivas que surgem na vida ao longo do caminho. O amor e a fidelidade é o fundamento da verdadeira comunhão, segundo Marcel,  este é o pressuposto básico para o surgimento autêntico da esperança. Sempre como exigência ontológica do homem, a esperança se constitui num apelo que nasce do mais profundo do ser no momento do sofrimento, da mais sofrida provação; ali onde intervém a tentação de desesperar. Para Gabriel Marcel, o existente não é uma idéia, mas um ser concreto, individual, que sofre, se angustia, se projeta no mundo, se constrói com o outro e que carrega dentro de si uma profunda esperança de vitória sobre a morte. Para Marcel a filosofia deve partir do solo da experiência, das situações cotidianas da vida concreta do homem e, em sentido de perfuração, penetrar na sua existência de modo a iluminá-la. Gabriel Marcel, discordou e em um determinado momento confrontou-se com o filósofo idealista Leon Bruschvicg, confronto que ocorreu devido a uma forte afirmação de Leon de que "não há nada além deste mundo cognoscível, e afirmar a existência de algo que estivesse além do conhecimento humano seria um absurdo". Essa afirmação objetivista e reducionista não agradou a Marcel, que trazia consigo a dura experiência da dor e da morte de milhares de seres humanos na Primeira Guerra Mundial. A partir daí rompeu definitivamente com o idealismo em nome de uma filosofia concreta, da experiência e da esperança. Uma filosofia na qual pudesse encontrar respostas para suas mais profundas inquietações existenciais. Ao abordar a existência humana como itinerância, Marcel se propõe ao máximo ser fiel ao homem e ao mundo concreto. Suas compreensões conquistadas acerca do homem são substancialmente resultado da sua própria experiência pessoal e do contato direto com a vida concreta das pessoas com as quais conviveu. Para Marcel o pensamento e a vida devem andar juntos, pois do contrário, o pensamento, ao desligar-se do concreto, decolaria para uma abstração sem fim, enquanto a vida continuaria na penumbra da falta de rumo, de propósito e de sentido. A filosofia concreta, antes de qualquer coisa, pretende ser uma ponte entre nossa vida concreta e o pensamento reflexivo, procurando o sentido último da existência humana. O homem não nasce pronto, frente às possibilidades dadas e construídas por ele mesmo ao longo do caminho é que realiza a nobre e interminável tarefa de fazer-se mais do que é. Cada passo que é dado, é dado na direção do que deseja ser mais, na direção do que projeta ser mais. O homem sempre busca ser mais, anseia por completude. Segundo Marcel as questões mais profundas e decisivas da vida, as quais o intelecto não consegue dar conta, só podem encontrar respostas ao longo do caminho. Em suas ideias, afirma que a existência humana é um mistério do qual participamos e  peregrinar é uma forma de penetrar neste mistério, compreendê-lo melhor pouco a pouco e, assim, experimentar uma parte de sua inesgotável riqueza. O homem que rejeita caminhar, que opta pelo suicídio, rejeita viver esse mistério maior que é o existir, o aperfeiçoar-se, o fazer-se mais do que é, o conviver. A existência é um mistério porque não está fora do homem, pelo contrário, é o modo de ser no mundo e com os outros, próprio do ser humano. A encarnação situa-se no âmbito do mistério, pois não é algo separado de mim, todavia, o fato da encarnação ser um mistério não significa que é totalmente velada,  pois somos seres encarnados, participamos diretamente da encarnação e, portanto, temos condições de aos poucos desvelá-la, mesmo que de modo parcial. Ser encarnado é manifestar-se ao mundo, é lançar-se em itinerancia, através do corpo, tendo a consciência de que ele não é uma peça, uma máquina ou um objeto de uso, mas sim o "meu corpo", formando comigo uma unidade indissolúvel, de modo que, me é impossível reconhecer-me sem ele. O reconhecimento da condição de itinerância e temporalidade do homem fizeram com que Marcel substituísse o termo de heidegger ser-no-mundo pelo termo estar-no-mundo. Afinal, o verbo estar em relação ao verbo ser caracteriza melhor a condição transitória do homem, a sua "passagem-pelo-mundo". O fato do peregrino estar-no-mundo não significa que ele se comunica com o mundo, pois só há comunicação verdadeira quando há comunhão e esta, por sua vez, só é possível no âmbito da subjetividade e não no dos objetos do mundo. O peregrino, através de sua encarnação, é uma presença concreta que participa do mundo e da vida dos outros. Não é uma pedra imóvel à beira do caminho, mas sim uma presença viva, aberta, em movimento.

 Site de referência:
http://www.filosofia.ufc.br/

Referências bibliográficas:
ZILLES, U. Gabriel Marcel e o Existencialismo.
Porto Alegre: Ed. PUCRS/Acadêmica, 1988