quarta-feira, 7 de março de 2012

"Trago em mim a força monstruosa de interrogar". Vergílio Ferreira


VERGÍLIO FERREIRA:


Vergílio Antonio Ferreira nasceu em Melo, no concelho de Gouveia, em Janeiro de 1916, filho de Antonio Augusto Ferreira e de Josefa Ferreira. A ausência dos pais, emigrados nos Estados Unidos, marcou toda a sua infância e juventude. Por sugestão dos familiares, frequenta o Seminário do Fundão durante seis anos.Saiu para completar o Curso no Liceu na cidade da Guarda. Ingressa em 1935 na Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra, onde concluiu o Curso de Filologia Clássica em 1940. Dois anos depois, terminado o estágio no liceu D. João III, nesta mesma cidade, parte para Faro onde iniciará uma prolongada carreira como docente, que o levará a pontos tão distantes como Bragança, Évora e Lisboa. Vergílio reuniu em si diversas facetas, a de filósofo, a de escritor, a de ensaísta, a de romancista e a de professor. Contudo, foi na escrita que mais se destacou, sendo um dos intelectuais portugueses contemporâneos mais representativos. Toda a sua obra está impregnada de profunda preocupação ensaística. Vergílio foi também um existencialista por natureza. A sua produção literária reflete uma séria preocupação com a vida e a cultura. Ele confessou em "Invocação ao meu Corpo" (1969) trazer em si “ a força monstruosa de interrogar”, mais forte que a força de uma pergunta. ”Porque a pergunta é uma interrogação segunda ou acidental e a resposta a espera para que a vida continue. Mas o que eu trago em mim é o anúncio do fim do mundo, ou mais longe, e decerto, o da sua recriação”. Este pensador tecia reflexões constantes acerca do sentido da vida, sobre o mistério da existência, acerca do nascimento e da morte, enfim, acerca dos problemas da condição humana. Após sua morte, ainda nos restou o imenso homem, que ficou dentro da obra, pois, como o próprio declarou: "O autor nunca pode ser dissociado da sua obra porque nela vive, respira e dela fica impregnado". Vergílio entregava-se à escrita de corpo e alma, tinha essa obsessão; após a qual se sentia vazio, mas depois de um livro voltava a renovar-se para dar corpo a outro. “Escrever, escrever, escrever. Toma-me um desvairamento como o de ébrio, que tem mais sede com o beber para o beber, ou do impossível erotismo que vai até ao limite de sangrar. Escrever. Sentir-me devorado por essa bulimia, a avidez sôfrega que se alimenta do impossível”.(Pensar, 1992). A obra de Vergílio Ferreira recebeu influências do existencialismo de Satre, de Marco Aurélio, Santo Agostinho, Pascal, Dostoievski, Jaspers, Kant e Heidegger. Os clássicos gregos e latinos como Ésquilo, Sófocles e Lucrécio, também assumiram uma importância vital nos pensamentos deste escritor. No livro "Mito e Obsessão na Obra de Vergílio Ferreira", Eduardo Lourenço afirma que: “faz parte que se considere Vergílio Ferreira numa perspectiva ideológica, como autor de ruptura e tentativa de superação e reformulação do ideário neo-realista; numa perspectiva metafísica, como romancista do existencial no sentido que ao termo foi dado pela temática chamada existencialista; e, finalmente, numa perspectiva simbólica, como romancista de uma espécie de niilismo criador ou, talvez melhor, do humanismo trágico ou tragédia humanista”. Os romances "Uma Esplanada sobre o Mar" (1987), pelo qual recebeu o prémio da Associação Portuguesa de Escritores, e Em Nome da Terra (1990) retomam o tema da transitoriedade da vida, sujeita ao passar do tempo. Em 1993 edita em "Na Tua Face", uma das suas obras mais exemplares, em que desenvolve uma reflexão aprofundada acerca da beleza e da sua transitoriedade. Este escritor, que aos 80 anos declarou “ vou entrar a escrever no paraíso”, faleceu em 1 de março de1996. Deixou um livro entregue ao editor, publicado posteriormente intitulado "Cartas a Sandra" (1996), em que se pode reencontrar a personagem Xana, filha do narrador do romance"Para Sempre", apresentando ao leitor cartas escritas pelo pai à sua mãe. Após a morte do escritor a Câmara Municipal de Gouveia e a Universidade de Évora criaram prêmios literários em memória de Vergílio Ferreira. O espólio do escritor composto por prémios, livros e alguns objetos pessoais foi doado a Gouveia, concelho de onde Vergílio Ferreira era natural e estão em exposição na Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira. O seu espólio de originais manuscritos de quase todos os seus romances foi doado à Biblioteca Nacional.

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