sábado, 24 de março de 2012

"Aparição". Vergílio Ferreira



E, mesmo que o caminho fique longe e, ao  percorrê-lo, a angústia e o  desespero  estejam presentes, é necessário ir em frente, para que se procure superar os obstáculos, porque o invencível sonho do homem tem que ser salvo. Vergílio Ferreira.



Vergílio Ferreira, numa área que não tem muitos precedentes em Portugal, disse tudo o que lhe passou pela alma, pelo coração, pelos nervos. No romance como no ensaio, o pensamento de Vergílio Ferreira constrói-se de forma gradativa, sempre numa procura e apelo emocionado de um espaço humano onde as barreiras de toda a espécie, incluindo  as intelectuais, fossem abolidas para a livre circulação  inquiridora da verdade ou  da palavra última que abrisse a porta do "quarto proibido", como nas histórias tradicionais, o quarto onde a chave do Mistério está guardada. Suas obras tornam-se uma espécie de convite à procura de nós próprios, com todos os segredos que podem ficar por desvendar, mas onde o  caminho  e sentido  do  humano  impõe a travessia, mesmo que às vezes nos possamos perder. Em Aparição, Vergílio Ferreira escreve: “A unidade que nos pré-existe a cada um, a unidade de sermos, a vida imediata, quotidiana, é uma selva de caminhos, de veredas, de confusa vegetação. Tão fácil perdermo-nos! O mais grave, porém, é que na sua rede muitas vezes não sentimos que nos perdemos. Cada caminho impõe-se-nos na sua presença imediata. Um caminho  é ‘o’ caminho  em cada instante". E a cada instante do pensamento e vida de Vergílio Ferreira, as suas personagens lutam, antes de mais nada, por um espaço positivo para poderem existir – o espaço do eu: "E, mesmo que o caminho fique longe e, ao  percorrê-lo, a angústia e o  desespero  estejam presentes, é necessário ir em frente, para que se procure superar os obstáculos, porque o invencível sonho do homem tem que ser salvo". É por isso que, à semelhança de Camus no Mito do Sísifo, onde se afirma que: “é preciso  imaginar Sísifo feliz” –, também em Vergílio Ferreira algo de aproximado se poderá afirmar. Ainda em Aparição, escreve: “Não há presenças aqui senão as das origens (…). Estou só. Habito o início, o silêncio de mim próprio, onde a verdade é nua como  o luar da montanha”. A origem, o silêncio, o silêncio  de nós próprios, a verdade e o  luar da montanha são  algumas das mais significativas “peças” para constituir um dos quadros mais perfeitos do pensamento deVergílio Ferreira. Mas, mesmo que o dilaceramento, o fracasso e a morte sejam constante presença na sua obra, há nela sempre lugar para uma última esperança, uma “estrela polar” que proporciona uma alegria, mesmo  que breve, porque possível pela luta, mesmo  que ambígua, entre a luz e as trevas, a vida e a morte. Depois de Mudança e sobretudo a partir de Aparição, Vergílio Ferreira, declaradamente e sem qualquer subterfúgio, partindo naturalmente da sua subjetividade (caráter fundamental do existencialismo)”, nos aparece também como  um humanista em todos os seus aspectos. Até ao  fim e, desassossegadamente, convocando  não só  o seu  “eu” mas também o  “nós”, rumo  ao caminho da responsabilidade e autenticidade, o autor elegeu como valor por excelência a vida humana com todos os seus confrontos. 

RESUMO DO LIVRO:

Alberto Soares é o narrador/personagem. Alberto já velho, no casarão da aldeia, fica a relembrar o passado. Um mais distante, da infância e o outro, mais recente, de professor recém formado que vai trabalhar em Évora. Professor de língua e literatura, Alberto volta à cidade dos pais ,Évora. Relembra como se dera a morte do pai, ocorrida por síncope cardíaca em plena ceia de Natal. Relembra vários fatos: dos irmãos, Tomás, o filho mais próximo ao pai e Evaristo, mais próximo à mãe. Tomás, irmão mais velho, destaca-se pelo sentido de sua ligação com a terra, no trabalho rural, de conceitos mais simples e mais direto nessa mesma simplicidade. Relembra da infância ainda a perda do cão Mondego, cão vira-lata que adotara, mas cuja morte é causada devido às pedradas que recebera de Evaristo, e o pai, vendo o sofrimento que os ferimentos causara no animal, decide pedir a um empregado que o sacrifique para diminuir sua pena. Relembra a morte da mãe, ocorrida mais tarde que a do pai. A mãe morrera serenamente, mais de velhice do que por uma causa específica. Instalado numa pensão fica a relembrar estes e outros fatos traumáticos. Em Évora, Alberto assumirá o cargo de professor do Liceu local. Ao Reitor do Liceu expõe seus planos de ensino. Conhece na cidade o Dr. Moura, amigo do pai, médico. A família do Dr. Moura é constituída pela esposa e pelas filhas. Ana, a filha mais velha é casada com Alfredo, irônico e seguro de suas opiniões. Sofia, jovem, começa a ter aulas particulares com Alberto Soares para resolver suas dificuldades no Colégio. Cristina, a caçula, apenas 7 anos, está aprendendo a tocar piano e durante as noites antes do jantar, toca para todos, principalmente para o pai, que muito se contenta de vê-la tocar. Como Alfredo e Ana não têm filhos, resolvem entrar com um processo para adoção dos filhos de Bailote, um lavrador que se enforca por não ter mais a mão direita apta para semear. Conhece também Chico, engenheiro e amigo do Dr. Moura, que leva Alberto Soares a dar uma série de conferências no centro cultural Harmonia. Porém, Chico é um homem mais materialista e objetivo e pouco está afeito ao discurso metafísico e existencialista de Alberto Soares. Logo as opiniões do Reitor, de Alfredo e de Chico vão se chocar com a de Alberto. O Reitor lhe repreende por propor redações de temas existencialistas aos alunos e que isso tem diminuído a criatividade e aumentado suas angústias. Alfredo e Chico discordam de suas opiniões acerca da morte, do sentido da vida. Alfredo demonstra uma desconfiança aliada à curiosidade e Chico oferece a inimizade. No desenrolar das aulas particulares que dava a Sofia acaba surgimento um relacionamento amoroso que é mantido escondido do Dr. Moura. Um sobrinho de Chico, Carolino tem papel importante no desenvolvimento da história. Carolino era o aluno mais atento às aulas de literatura e o mais afeito ao discurso do professor. Seu apelido era o Bexiguinha devido as suas bexigas(acne) sentia-se inferiorizado pela sua aparência e na sua mente acaba invertendo alguns conceitos, passa a considerar o homem igual a Deus quando o homem domina o poder de matar. Na infância, ocasionara a morte involuntária de uma galinha e isso abre essa perspectiva na sua consciência. Durante as férias natalinas, Alberto deixa Évora e vai para a aldeia onde fica o casarão paterno para poder tratar da partilha dos bens paternos entre os três irmãos. Acaba tendo conversas e algumas discussões com Tomás acerca do assunto que tanto o inquieta: o sentido da existência da vida e da morte. Tomás, na sua simplicidade, se enfada da complexidade com que Alberto trata o tema e rebate com frases mais objetivas, afirmando, entre outras coisas, que para Tomás basta saber que a vida continua depois de sua morte. Isto para Alberto soa como uma espécie de epifania, de iluminação simplória mas forte. Quando volta à Évora, algumas coisas haviam mudado. Sofia, agora, namora com Carolino. Alberto aluga uma casa no alto de São Bento, onde passa tempo em suas meditações. Sofia passa a visitá-lo mesmo continuando o namoro com Carolino, o Bexiguinha. Este movido por desconfiança e ciúmes escreve uma carta ao Reitor denunciado o mal comportamento moral do professor. Num acidente de automóvel, em que Alberto, Alfredo, Ana, Cristina e outros tinham ido passear no dia de Carnaval, na volta, Alfredo, que dirigia, perde a direção do automóvel, bate numa árvore, e no choque a pequena Cristina morre. A morte da pequena foi traumática principalmente para a irmã mais velha, Ana, que não podendo ter filhos, via na pequena irmã uma espécie de filha. É nessa ocasião que Alfredo se decide pela adoção dos filhos de Bailote para minimizar a dor de Ana. Carolino, enciumado pela indiferença de Sofia, decide tentar resolver pela violência esse triângulo amoroso. Planeja matar o professor Alberto com uma faca, fica à espreita à noite para apanhá-lo quando chegasse em sua casa. Porém, na luta que se desenvolve, o professor Alberto mais forte e mais hábil, desarma ao Bexiguinha e põe-no a correr. Humilhado, Carolino não desiste de seu desejo de vingança e opta por matar um vértice mais fraco desse triângulo, Sofia. De fato, Carolino assassina sua namorada e foge. Preso é considerado demente. Tomás, no seu vigor de homem do campo, chega a ter dez filhos. A mãe de Alberto morre de velhice. Toda essa situação força Alberto a deixar Évora por uns tempos, vai para o Faro, bem ao sul de Portugal, onde se casa, tem filhos, adoece e deixa o ensino. Anos depois inicia sua narração, solitário, no casarão paterno.



Sites de referência:
http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaPortuguesa/Contemporanea/Vergilio_Ferreira_Aparicao


http://www.eduardolourenco.com


Referências bibliográficas:
FERREIRA, V. Aparição. São Paulo: Difel, 1983.

FLORY, Suely.O romance-problema e o problema do romance na obra de Vergílio 
Ferreira. São Paulo: HVF Representações, 1993.







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