Existencialismo:
O existencialismo pode entender-se como corrente filosófica (e literária) que defende a vivência e a consciência subjetiva na sua interioridade, em detrimento das metafísicas essencialistas associadas aos grandes sistemas conceituais. Por inspiração dos filósofos alemães (Husserl, Heidegger, Jaspers), sentem-se os primeiros ecos a partir da I Guerra Mundial, tendo atingindo o seu auge nas décadas de 50 e 60. Na sequência de II Guerra Mundial e do clima que se fazia sentir, os temas em discussão na época eram evidentemente propícios à difusão e popularidade do existencialismo, sobretudo entre os jovens universitários e os intelectuais. O existencialismo, neste contexto, aparece como fruto da derrocada de valores e imperativa necessidade de reordenação do humano no universo. A fama do existencialismo surge por iniciativa do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), considerado o seu principal representante. Sartre, inspirado por Heidegger, faz da existência uma finitude radical ao afirmar que «A existência precede a essência», crença que o levou a sustentar que o ser humano é liberdade absoluta no sentido em que, enquanto ser pensante, se vai fazendo ou construindo a si mesmo, pois o homem já não tem uma essência que o delimite. Estamos, naturalmente, na presença de um existencialismo ateu de que Sartre foi o mais conhecido defensor. Em campos opostos surge o filósofo Gabriel Marcel (1889-1973), por sua vez representante do existencialismo cristão, sobretudo a partir da publicação do artigo Existência e Objetividade, consolidando-se a sua doutrina em obras anteriores como Ser e Ter (1935) e Homo Viator (1945). A tese fundamental do pensamento de Marcel consiste na ideia de que existir é ter em conta o mistério, o transcendente. Para este autor, o existente está rodeado de mistério do próprio Ser e ao qual, pelo esforço e conquista, é capaz de melhorar-se. A liberdade humana consiste na invocação do Ser e no reconhecimento de que só neste o homem verdadeiramente se pode encontrar em situações de conforto e paz, presumindo assim que o ser seja dotado de generosidade e acolhimento. Sob um ponto de vista filosófico talvez seja preferível falar-se em filosofias da existência. Aquilo a que chamamos “existencialismo” aparece sob a forma de doutrinas revestidas de conceitualizações profundas e íntimas, como por exemplo, no “sentido da angústia existencial” de Kierkegaard (1813-1855), um filósofo considerado seu percursor. Pode ainda entender-se como uma corrente que tem como objeto o esclarecimento das questões existenciais da vida humana, por exemplo, como acontece em Karl Jaspers (1883-1969). Será preferível falar em filosofias da existência a existencialismo, visto alguns dos filósofos mais importantes da filosofia do século XX, como Martin Heidegger (1889-1976) e Karl Jaspers não quererem ser qualificados de meros existencialistas, pela suspeita de este ser um termo reducionista. O termo Filosofias da existência, usado no plural, deixa transparecer alguma abertura, uma vez que se trata de pensamentos que analisam a existência enquanto realidade ou existência humana. Deste modo, todo o existencialismo será filosofia da existência, mas nem toda a filosofia da existência é existencialismo. Se pensarmos no pensador alemão Martin Heidegger, os termos existencialismo e filosofia da existência são inadequados, pois este pensador considera que a interrogação metafísica deve ser posta no seu conjunto, enquanto busca incessante pela questão do ser. O existente, Dasein ou Ser aí, é o “projecto” do pensador para chegar à questão fundamental que é a questão da revelação do Ser. Sendo assim, estamos no domínio de uma existência com conotações ontológicas, isto é no domínio existencial, em que o existente, o Dasein participa e assume as reações de toda a ordem em busca do ser em geral, ou seja, é o existente concreto que possibilita a ontologia geral. Todavia, o termo existencialismo pretende colocar em relevo as características irredutíveis da existência humana. É uma espécie de regresso à existência tal como é vivida e nisto se assemelha à filosofia existencial, na medida em que esta coloca a realidade como uma espécie de objeto que, na presença de um sujeito com existência, tenderá a que este participe na realidade com as suas reações sentimentais e passionais face às coisas; para esta corrente o que importa é o homem nas suas vastas dimensões, pois importa saber o que fazer com ele e a vida que lhe coube. É sempre do homem concreto que nos fala, do homem sujeito à morte, nas suas relações com o mundo e com os outros, buscando um sentido para o existir. Dar uma definição de filosofia da existência é complexo, mas não de todo absurdo, pois há qualquer coisa que a distingue das outras, sobretudo no que concerne a uma característica fundamental. Trata-se do privilégio da existência sobre a essência, mas também das experiências íntimas e subjetivas do humano, tais como a angústia, a náusea, a liberdade. Contudo, é tarefa vã reduzir as filosofias da existência ou o existencialismo a uma única definição, pois seria demasiado redutor, nela não caberia o que maioritariamente as caracteriza, ou seja, o ensejo de tornarem a vida humana possível no seio da liberdade e da subjetividade.
Referências Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola, Introdução ao Existencialismo, Preâmbulo e tradução de João
Alves, Lisboa, Ensaio Editorial Minotauro
HAAR, Michel, Heidegger e a Essência do Homem, Lisboa, Instituto Piaget, 1990,
MALRAUX, André, A Condição Humana, Tradução e Prefácio de Jorge de Sena,
Lisboa, Edição Livros do Brasil
SARTRE, Jean - Paul, O Existencialismo é um Humanismo (1946), prefácio e tradução
portuguesa de Vergílio Ferreira, Lisboa, Bertrand Editora, 2004
Site de referência:
http://repositorio-aberto.up.pt
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