domingo, 18 de março de 2012

"Mudança." Vergílio Ferreira

Os grandes sistemas do pensar, da ciência, as grandes correntes literárias e artísticas, os grandes ideários políticos ou religiosos. Tudo passou. Restos detritos fragmentos. Toma o teu bocado e senta-te no vão de uma porta a comê-lo. Vergílio Ferreira



Como Sartre, Vergílio Ferreira manteve-se distante em relação às correntes como o surrealismo, marxismo, psicanálise. O existencialismo, muito pelo contrário, infiltrou-se nos seus romances. No ano 1949, Vergílio Ferreira escreveu o romance Mudança, cujo título, por si só, já indica uma viragem. Com esta obra o escritor começa a conquistar a sua voz própria. No entanto, em muitos aspectos é  Mudança um dos mais bem conseguidos romances neo-realistas Este romance é o mais ambíguo, uma vez que Carlos, a personagem principal de Mudança, é já, como escreve Lourenço, um herói existencial, a antítese do herói neo-realista.  É na sua boca que Vergílio Ferreira põe as meditações existenciais que caracterizarão em seguida os seus romances. O romance "Mudança" começa com uma forte chuva sobre uma aldeia de Portugal. A partir daí começam a serem apresentados os personagens principais. Carlos Bruno, advogado e herdeiro de uma fábrica de tecidos. Berta, noiva de Carlos Bruno. Berta e Carlos vivem uma situação conflituosa em razão de suas personalidades e de sua formação. Carlos é filho de José Bruno e tem um irmão, Pedro. Carlos vai à Universidade ao passo que Pedro fica trabalhando com o pai. De início temos o conflito entre os irmãos, decorrentes de suas perspectivas diferentes. Além do que Carlos é filho legítimo e Pedro é bastardo. O pai suicida-se após uma crise financeira que o leva à ruína. Na nova condição que se estabelece, Carlos sente-se agora igualado e mesmo até inferiorizado a Pedro. Pedro, após a morte do pai, transforma-se num marxista, defensor das causas sociais. Carlos tenta a carreira política, mas motivado por desejo de poder e prestígio. Cardoso, pai de Berta, e que trabalhava como guarda-livros do pai de Carlos, acaba enriquecendo com a guerra (II Guerra Mundial), compara a fábrica arruinada e o casarão de Villarim, onde morava a família Bruno.Durante o namoro e o noivado com Berta, Carlos tem um comportamento mais romântico com Berta. Após o casamento, a inversão dos papéis sociais, agora é Berta quem é rica e Carlos um pequeno advogado de província, resulta numa transformação da relação entre ambos. Carlos passa a querer dominar Berta como forma de recuperar seu poder, esta sentindo-se sufocada e reprimida acaba dando ao marido a suspeita de que tem um amante, Raul. Num crescente de deterioração das relações entre Carlos e Berta chegam à separação. Berta vai para Villarim e Carlos fica só na casa da Castanheira. Seu único amigo é o cão Dick, que, no entanto, morre atropelado. O enterro do cão é para Carlos simbolicamente sua própria morte. Berta ao visitar o escritório de Carlos acabam conversando sobre um processo judicial em que a mulher matara o marido porque ele não era o mesmo. Carlos pergunta: “Que fazias tu no lugar dela?” E Berta responde prontamente: “Matava-o também.” Noutra ocasião Berta trava um diálogo com um vendeiro, Sr, Roberto, quando comprava veneno para ratos: “Não me diga que se quer suicidar. Ou que é para matar alguém?” E Berta responde: “Senhor Roberto. Que graça de mau gosto!” O romance termina com Berta diante de uns cubos de queijo e a porção de veneno e relembrando as várias frases que insinuam a morte de Carlos: “Matava-o também”. “Não se diga que é para matar alguém?”, “Ouça Berta”, “Faz parte da vida que te condena e anula”...


Referência bibliográfica:

FERREIRA, Vergílio: Ansiedade/Angústia e a Cultura Moderna. Colóquio/Letras, 63, setembro de 1981


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