domingo, 18 de março de 2012

"Onde tudo foi morrendo". Vergílio Ferreira

Sou do Alentejo como da serra onde nasci, a mesma voz de uma e de outra ressoa em mim: o espaço, a angústia e a solidão. Vergílio Ferreira. 


Vergílio Ferreira é reconhecido por parte da crítica literária como pertencente à geração de intelectuais portugueses do fim dos anos 30, atrelada ao neorrealismo. Esse movimento surgiu como um questionamento referente ao contexto da crise pós-Primeira Guerra Mundial, no qual esses intelectuais atentaram para uma necessidade de intervenção na realidade social portuguesa através da arte. Com um forte viés marxista, eles evidenciaram uma necessidade de mudança da realidade a partir de um diagnóstico de maior empobrecimento das classes sociais em Portugal, assim como de um considerável aumento da miséria no campo e, consequente, êxodo rural, aliado à institucionalização do regime totalitário, figurado por Antônio Salazar (1933-1974). O neorrealismo, representado pela Seara Nova, revista emblemática desse grupo, também esteve em oposição à revista Presença, do grupo liderado por José Régio e demais continuadores da geração de Orpheu, que pregava a “arte pela arte” sem um compromisso político-social como centro de criação e que assegurava a importância do dogma individualista, ou seja, compromisso do artista consigo mesmo para fazer arte com qualidade. A literatura de Vergílio Ferreira criticou o determinismo e escapou do enfoque sociológico dos intelectuais de antes. A luta contra a marginalização social não seria mais reconhecida somente na coletividade,  mas na individualidade, nas singularidades de cada ser. "Onde tudo foi morrendo é o segundo dos três romances neo-realistas do Autor, foi  proibido e apreendidos pela polícia os exemplares possíveis. Já o livro anterior "O caminho fica longe", já havia sido também recolhido pela polícia. A  capa do livro foi desenhada por  Regina Kaspizykowi, companheira de Vergílio. A primeira dúzia de linhas constitui um dos mais belos e incisivo ponto de partida na ficção literária portuguesa: "Pela janela aberta vem a poesia da dispersão. Tudo se calou naquela hora sombria. E longa. As árvores quedaram-se, transidas de frio, de braços nus erguidos ao céu. Mas o céu escondera-se porque os ventos lhe tinham desdobrado nuvens espêssas pela curva abatida. Então os homens ficaram tristes, olhando, em silêncio, a planície sem fim. Rostos enegrecidos, barba crescendo, negra e negra, sempre crescendo, olhos necessitados inundando o ar...Pelo céu recôncavo ecoam uivos fundos de cães que choram lá para as bandas do cabo do mundo. Lamentos de uma angústia tôrva. Por isso o azul do céu foi sorrir para as terras do Sol. E a aldeia começou a fugir também para as terras do Sol. Só aquela janela aberta olha a tristeza das árvores abandonadas e derrama na saleta escurecida a desolação do Outono. [...]"

Referências Bibliográficas:

LISBOA, Eugénio. Poesia portuguesa: do Orpheu ao Neorrealismo. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1986.

GOMES, Álvaro Cardoso. A voz itinerante: ensaio sobre o romance português contemporâneo. São Paulo: USP, 1993.

Nenhum comentário:

Postar um comentário