Apague as pegadas:
Cuide, quando pensar em morrer
Para que não haja sepultura revelando onde jaz,
Com uma clara inscrição a lhe denunciar
E o ano da sua morte a lhe entregar,
Mais uma vez: Apague as pegadas!
Bertold Brecht
"E, com efeito, as obras recomeçaram. Outra vez os operários regressavam dos subsídios de desemprego e dos retroactivos salariais, o comércio reanimou, havia putas novas vindas de fora. E imediatamente pás, picaretas e escavadoras, os cilindros de terraplenagem, uma grande rede de trincheiras foi-se abrindo para os alicerces. Um homem desconhecido, vestido de bruto, botas ferradas, um fato grosso, eu via-o com papéis na mão, ia de grupo em grupo dar instruções. Punha-me a olhar o emaranhado das valas, a imaginar a aldeia recostruída e as distâncias e o jogo possível das relações humanas. Imaginava as ruas, as casas reerguidas, o reencontro dos homens consigo, com os seus sonhos e esperanças e enredos e conflitos, o envelhicimento das coisas pelos séculos e a nova ordenação da vida sob a eternidade dos céus."
Signo Sinal.
Em pleno tempo de pós-revolução (25 de Abril), uma aldeia é quase inteiramente devastada por um terramoto. Um dos seus muitos sobreviventes, herdeiro de uma pequena fábrica erguida pelo seu falecido pai, sem qualquer vocação para nada de prático na vida, sempre dado às letras e à reflexão, constata o absurdo da condição humana e da inútil tentativa entusiástica da mudança do estado das coisas. Uma aldeia em ruínas e um planejamento que não se concretiza nunca, o narrador segue contando pequenas histórias de uma época de vida coletiva e experiência compartilhada, que faz contraste com o mundo moderno, a perda da memória e a vida esvaziada de sentido. O que se percebe em Signo Sinal é uma crítica à modernidade que promete o progresso e entrega devastação. O que restou da antiga aldeia foi somente uma terra rasa de ruínas. Em torno do narrador de Signo Sinal, um dos sobreviventes, apenas as ruínas das casas e dos habitantes. É neste cenário que Luís começa a por sua memória em movimento. São os mortos da sua lembrança que retornam, são vestígios de um passado recente. A aldeia, os moradores e a memória estão soterrados pelo terremoto chamado progresso.
FERREIRA, Vergílio. Signo Sinal. Lisboa, Bertrand, 1990.
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