terça-feira, 17 de julho de 2012

Cartas a Sandra.





"(...) O amor é tão monótono, querida. Porque ele é o cimo sensível de uma imensidade de coisas que se esqueceram. Como falar desse mínimo que é o vértice de todo um mundo que o sustenta? Falar de nada, que é o todo nele? Sandra. Podia dizer o teu nome infinitamente na multiplicação do que nele me ressoa. E é assim o que mais me apetece, dizê-lo dizê-lo. E ouvir nele o maravilhoso que me abala todo o ser. Poderia escrever o teu nome ao longo do que escrevo e teria talvez dito tudo. Mas eu quero desse tudo dizer também o que aí se oculta. Dizer o meu enlevo e a razão de ele me existir. As tuas mãos nas minhas. O incrível miraculoso de eu dizer o teu rosto. O ardor de um meu dedo na tua pele. Na tua boca. O terrível dos meus dedos nos teus cabelos. O prazer horrível até à morte da minha entrada no teu corpo."

Um pequeno romance composto essencialmente por dez cartas de amor, "Cartas a Sandra" representa um epílogo ao romance "Para Sempre", do mesmo autor. O ideal do amor, já sobejamento dissecado em "Para Sempre", é neste romance ainda mais sublimado em cartas escritas por Paulo à sua amada após a sua morte. A catarse de um amor inesgotável, descrito das mais variadas formas, um amor tão forte que todas as palavras não o conseguem circunscrever e onde a dimensão metafísica desempenha um papel apaziguador no desespero obsessivo de Paulo na evocação da memória de Sandra. Num estilo sóbrio embora angustiado, sem recorrer a frases ou expressões corriqueiras próprias de adolescentes nas suas mensagens de amor, Vergílio Ferreira explora a fundo a capacidade de amar do ser humano levada ao extremo, traduzida num viver perto da loucura, num desespero sereno de evocações comoventes enfatizadas numa dignidade de pensamentos filosóficos que transcendem em todo o seu esplendor metafísico a figura do amor elevado ao purismo do sentimento e à degradação da sua carne, numa fuga rumo à eternidade que é o expoente de todo o amor. 

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Paulo passa os últimos dias da sua velhice escrevendo cartas a Sandra, esposa há muito falecida, recordando a sua vida em comum bem como a sua relação com Xana, a filha que muito cedo abandonou a casa da família. Trata-se do testemunho pungente, mesmo desesperado de um homem apaixonado a quem faltou vida para desafiar a morte da mulher amada. Para Paulo o tempo estacionara na morte de Sandra. No entanto, o amor perdurou para lá da sua morte, como um espinho cravado no seu coração. À procura de paz na memória de Sandra, Paulo encontra mais e mais sofrimento. Essa memória é sempre incompleta porque é por Sandra, por toda ela que Paulo clama. Pelo seu espírito, pelo seu amor mas também pelo seu corpo e pela sua vida. Assim, o tom melancólico, por vezes quase tenebroso, destas cartas constitui a imagem acabada da solidão; uma imensa solidão. Cartas a Sandra constitui, por outro lado, um documento importantíssimo para compreender a personalidade do autor, na sequência do romance auto-biográfico Para Sempre. Assinadas por Paulo, elas são o retrato de uma vida sofrida pela perda dos pais na infância, os anos promissores da universidade, na idade de todas as esperanças, mas também, mais tarde, o abandono por parte da filha, Xana, e a morte trágica de Sandra. Restou uma imensa solidão que marcou os seus últimos dias. Depois de tudo (da morte até) restou o amor; mas um amor sofrido e excessivo: “havia em ti divindade bastante para estar certo o que me doesse”…

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