Nasce-se todo inteiro, mas morre-se apenas a parcela do todo que nos foi morrendo ao longo da vida e nos tinha em pé. Por isso a morte mais natural de um velho é cair para o lado.
Não te entristeças por não poderes já ver o que verão os que vierem depois de ti. Porque depois de mortos, terão visto exactamente o mesmo que tu.
Vir a morte e levar-nos. E não fazermos falta a ninguém. Nem a nós. Que outra vida mais perfeita?.
Sê alegre apenas depois de dares a volta à vida toda. E regressares então a uma flor, ao sol num muro, a um verme no chão. A profunda alegria não é a do começo mas a do fim.
Quais são as tuas palavras essenciais? As que restam depois de toda a tua agitação e projectos e realizações. As que esperam que tudo em si se cale para elas se ouvirem. As que talvez ignores por nunca as teres pensado. As que podem sobreviver quando o grande silêncio se avizinha.
Não poderás vencer a morte. Mas impõe-lhe a vida como um bandarilheiro e verás que muitas vezes ela marra no vazio.
Os grandes sistemas do pensar, da ciência, as grandes correntes literárias e artísticas, os grandes ideários políticos ou religiosos. Tudo passou. Restos detritos fragmentos. Toma o teu bocado e senta-te no vão de uma porta a comê-lo.
Vergílio Ferreira
Paulo é um homem só. Na fase final da sua vida recorda Sandra, a mulher que amou. Sandra morrera de cancro. Recorda Xana, a filha que foi morrendo no abismo da droga. A mãe que morrera na sua infância; as tias o padre que o atormentaram com uma religião beata que nunca respondeu aos seus pedidos de misericórdia. Memórias que flutuam no rio estéril da memória…A melancolia de um tempo que chega ao fim, um tempo que pareceu eterno nas promessas de que é feita a vida, mas que desemboca inexoravelmente na solidão, no pessimismo, na visão negra da vida. Neste livro, Paulo aguarda a morte numa imensa introspecção onde os tempos múltiplos da vida são revistos com mágoa, com o sofrimento que só a linguagem poética de Vergílio Ferreira consegue exprimir. A morte com que se inicia o livro é a mesma, negra e impiedosa com que ele termina; a morte que está em todos os cantos da vida… a morte, esse fantasma permanente…Para Sempre é um livro de mágoas; um livro pessimista, negro, macabro; um livro sobre a vida, sobre a necessidade de a pensar mesmo que no fim dos tempos, no momento em que nada mais o pensamento poderá mudar. Mas é também um livro sobre a morte como redenção; como o remédio único e fatal para o sofrimento; para a culpa e a podridão; para a vida. A morte como o fim desse sofrimento prolongado a que Paulo chama vida. É um livro difícil de ler; não que a linguagem nos atrapalhe; não que o enredo seja emaranhado ou confuso. Não… é difícil de ler porque dói. Faz doer. O sofrimento que sai da caneta de Vergílio atravessa as páginas e vem de encontro ao leitor, apanhando-o desprevenido. E vai directamente à alma de quem lê, sem piedade. Nas letras, palavras e frases vê-se a dor; sentem-se as lágrimas; encaixa-se os socos da revolta. Vemos Paulo e verificamos que podíamos ser nós. Vemos Paulo e não temos pena; sofremos com ele; temos pena de nós. Não lamentamos a vida de Paulo; lamentamos a vida.
http://aminhaestante.blogspot.com.br/2011/02/para-sempre-vergilio-ferreira.html
No final de uma vida, entrando no seu epílogo, um homem já sem destino para cumprir medita sobre o seu passado e o seu futuro, no regresso a uma casa vazia onde passou parte da sua infância, povoada de fantasmas que evocam os momentos chave da sua existência. Recheado de flash-backs para o passado e para o futuro, a antevisão, real e com todos os detalhes, da degradação da sua velhice e do seu funeral. Inicia-se, em Paulo, a derradeira tentativa de procura da explicação de um sentido para a vida. Nesta narrativa de evocações aleatórias, centrada no romance de Paulo com Sandra, mulher difícil e de poucos sentimentalismos, último alicerce num mundo de ilusões. Vítima do seu próprio pensamento, questionando a sua condição humana e a dos outros, comparando-a até ao fim dos tempos, um lamento arrastado mas pontuado por algumas fagulhas de lucidez e outras de felicidade passada e presente, onde persistem ainda mais perguntas que respostas. A paz nunca chega, para sempre continua a percepção do abismo entre aquilo que se é e aquilo que se sente.
http://www.citador.pt
ferreira, Vergílio- Para Sempre. Lisboa: Bertrand [1987].
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