"Dostoievski escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido". Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe , fica o homem, por conseguinte , abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si próprio; e no entanto livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. O existencialista não crê na força da paixão. Não pensará nunca que uma bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos actos e que por conseguinte, tal paixão é uma desculpa. Pensa, sim, que o homem é responsável por essa sua paixão. O existencialista não pensará também que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há-de orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe aprouver. Pensa portanto que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a cada instante a inventar o homem. Disse Ponge num belo artigo: «O homem é o futuro do homem.» É perfeitamente exacto. Somente, se se entende por isso que tal futuro está inscrito no céu, que Deus o vê, nesse caso é um erro, até porque nem isso seria um futuro. Mas se se entender por isso que, seja qual for o homem, tem um futuro virgem que o espera, então essa frase está certa."
Vergílio Ferreira, in 'O Existencialismo é um Humanismo'
Citando Vergílio Ferreira, escutar uma pessoa que dedicou parte de sua vida a interrogar o que é humano...
" «perseguido até ao fim, acho o mar». Este verso resume o meu objectivo. Achar o mar como um símbolo, como uma metáfora dessa alegria, que é a alegria da pacificação, da eternidade, da plenitude, da juventude plena. "
"Eu quis sempre que os títulos dos meus livros tivessem alguma coisa de si próprios, um certo valor estético. Não me interessam os títulos puramente designativos, como o rótulo de um frasco. Quero que o titulo seja em si mesmo um sinal e um valor estético e poético. Que fosse uma abertura, um começo de um poema."
"Cresci eu todo. Em mim cresceu tudo. Penso, de qualquer modo, que aquilo que mais cresceu em mim foi o carácter de adulto."
" Em certa medida, e eu não gosto nada da expressão (literato português), vejo-me um pouco como um marginal. Sou um marginal e não me sinto mal por isso."
" Há coisas a mais no mundo para podermos fixar-nos apenas num universo tão pequeno como é o universo do livro. Aquilo que eu pretendi, e que penso ter conseguido, em certa medida, era transmitir uma dada ideia do mundo e das inquietações que o mundo suscitava através do romance."
" Os romances que escrevi foram, de alguma maneira, espelhos de outra coisa que passava por eles. A vida, por exemplo."
"A vida tem a sua significação máxima nela própria e em nada do que a excede. Portanto, a vida é um valor maior. É um absoluto. Foi esta a minha principal obsessão, aquela de que fui colhendo outras obsessões secundárias. Como sabe, as obsessões secundárias são mais importantes, às vezes, que as obsessões chamadas principais..."
" À medida que eu vou chegando ao fim (tenho uma carga de anos...), vou guardando silêncio. Creio que a natureza se encarrega de me ir organizando a maneira de ser e de sentir para me harmonizar com a proximidade da morte. Da morte real."
" Nós vemos bem aquilo que não vemos, sobretudo — e o passado é aquilo que nós vemos menos. Aquilo que está mais perto dos olhos são os próprios olhos e nós nunca os vemos."
"Os meus livros são, fundamentalmente, formas de viver o passado sem o magoar, sem o ferir. Detesto ferir."
"Há em nós um segredo que nós mesmos não sabemos."
“Entender. Porquê a obsessão de ter de haver uma resposta, apenas porque houve uma pergunta?
Todo o entender é no impossível que tem o seu limite. Mas o impossível é a medida do homem e da sua
vocação. Aí sou. Aí estou.”
“As coisas são o que está aí sem mais significação. Mas o aparecimento do homem trouxe com
ele a fatalidade do como e porquê. Assim ele inventou o mistério e levou o resto da vida a tentar explicá-
lo. E é essa obsessão de explicar que transmite aos que vierem depois dele. É uma obsessão absurda.”
"Todo o real tem atrás de si outro real. E é nesta diferença que se insere a distinção entre o 'saber'
e o 'ver'. Saber que se é mortal só é ver que se é mortal quando se passa para o lado de lá do saber. É onde
está a 'aparição'. (...) O que está para lá é do domínio do intangível e do sagrado. Como aos deuses, não se
lhe pode ver a face. Ou só em breves instantes de privilégio."
"o melhor da vida é o seu impossível (...). Mas o impossível foi o que sempre mais me fascinou." (169-70).
"A arte é silêncio, nós é que podemos 'discursar' sobre esse silêncio."
"Deus foi feito à sua [do homem] semelhança e por isso lhe conferiu o dom da criação." Por isso, mesmo numa situação pós-apocalíptica, a arte sobreviveria"
" As respostas vêm da sacristia, do confessionário, do partido. O problema não é esse. É que essas questões não são perguntas, são interrogações e as interrogações não têm resposta. Ou tem-na numa religião."