domingo, 26 de fevereiro de 2012

Mesmo que o mundo seja um lugar incompreensível, a natureza, o sol e o mar valem o esforço de não desistir da vida.


O Sol:


"Gosto imensamente desta vida e desejo falar sobre ela com liberdade: dá-me orgulho de minha condição de homem. No entanto, já me foi dito várias vezes: não há nenhum motivo para ser orgulhoso. Mas creio que há muitos: o sol, o mar, meu coração saltando da juventude, meu corpo com sabor de sal e o imenso cenário onde a ternura e a glória se reencontram no amarelo e azul" 
CAMUS.

 Literatura, filosofia e política são partes indissociáveis das obras de Albert Camus, que denunciava o absurdo de sua era, as guerras e desordens que assolaram o tempo em que ele viveu. Camus viveu uma infância extremamente pobre. Sua mãe, uma faxineira e seu pai, um soldado morto em 1914 durante a Primeira Guerra Mundial. A miséria não trouxe para o escritor traços de amargura ou tristeza. Ao contrário, deu a Camus uma percepção de que se deve ser lúcido e amar a vida apesar das imperfeições do mundo: “[...] Esta família, que não sabia nem mesmo ler, deu-me, então, minhas mais elevadas lições, que perduram até hoje. A pobreza, tal como a vivi, não me ensinou, portanto, o ressentimento, mas, ao contrário, uma certa fidelidade, e a tenacidade muda”. Camus nos deixou obras nas quais vida e ficção estão misturadas, porém, longe de ter como objetivo primeiro a relação entre alguns dos seus personagens e seus familiares ou com ele mesmo, o autor se utilizou dessas semelhanças para analisar e escrever sobre a estranheza do homem frente a um mundo incompreensível, mas que ao mesmo tempo é fraternal e cheio de sol. Camus amava a vida e amava o sol da Argélia,  país onde nasceu. Disse no ensaio "L´été à Alger": “O que se pode amar na Argélia é aquilo de que todos vivem: o mar, visto em cada esquina de rua, um certo peso de sol, a beleza da raça, diante do mar afogado, eu caminhava e esperava nessa Argélia que continuava sendo para mim a cidade dos verões”. Camus transferiu para as páginas de suas obras toda a energia vibrante desse sol para ser admirado por seus personagens e leitores. Em "L´étranger" (O estrangeiro), por exemplo, Meursault é rodeado pelo sol que aquece seus passos por toda a narrativa, e é no prefácio de "L´envers et l´endroit" que Camus explica que sua admiração pelo sol começou ainda em sua infância: “[...] fui colocado a meio caminho entre a miséria e o sol, a miséria impediu-me de acreditar que tudo vai bem sob o sol e na história; o sol ensinou-me que a história não é tudo[...] na África, o sol e o mar nada custam”. De obra em obra, o escritor deu ao sol um lugar de destaque que influencia seus personagens, da mesma forma que ele próprio fora influenciado pelo seu brilho na infância simples que teve. Camus deixa claro no ensaio "L´ironie em L´envers et l´endroit" que a natureza, acima de tudo, o bastava: “O sol nos aquece os ossos, apesar de tudo”. O sol que está presente em "L´étranger" é o mesmo que fez parte da infância pobre de Camus, iluminando-a, ele justifica no prefácio de "L´envers et l´endroit" que qualquer ressentimento de sua época de criança pobre fora apagado pelo belo calor que reinou sobre sua infância, e resume sua ligação com o sol : “Assim como levei muito tempo para compreender minha ligação e meu amor pelo mundo da pobreza em que minha infância se passou, somente agora percebo a lição do sol e dos lugares que me viram nascer”. Nas obras de Camus, o homem pertence à mesma ordem que a natureza, é parte integrante dela, contemplando-a e unindo-se a ela. Meursault, em "L´étranger", movimenta-se na natureza que o cerca e identifica-se com ela. Essa identificação corporal com a natureza é o bastante par a que ele seja feliz: “O sol, como o mar, significa a vida – porém uma vida lúcida”. Eis o objetivo do homem absurdo: ser lúcido até o fim juntamente com a natureza. O absurdo da vida de Meursault vem sempre acompanhado com o prazer que o sol oferece. O sol, o mar, e o verde são motivos de felicidade para o homem absurdo que precisa viver o presente sem se refugiar na esperança ou no divino. Para ele, não há salvação. Sua felicidade está em seu presente. Fazer parte da natureza e viver como se o homem fosse uma extensão dela é uma forma de felicidade neste mundo. Nas obras de Camus o mundo tem como alma a natureza. Convém que ela seja compartilhada com o homem absurdo como fonte de felicidade. As limitações da vida humana são tão reais quanto a presença do sol queimando a pele. No livro "O estrangeiro", o sol está sempre presente como única testemunha e ao mesmo tempo motivo do assassinato de um árabe. A natureza é, para Meursault, uma parte integrante da intensidade de suas percepções sensoriais. O personagem se entrega ao sol e ao mar e sua vida caracterizada como absurda é sempre acompanhada por sensações da natureza que podem lhe dar prazer, como o morno sol no rosto e a areia quente. É nesse universo de natureza que Meursault encontra as mais fortes alegrias: “O tempo estava bom e, de brincadeira, deixei cair a cabeça para trás e encostei-a na sua barriga. Não reclamou e eu fiquei assim. Tinha o céu inteiro nos olhos e ele estava azul e dourado". A união da vida absurda de Meursault com a natureza e principalmente com o sol e o mar durante a narrativa de "L´étranger" acontece ora com momentos fraternais e ora como agravante dos acontecimentos. É diante desse sol, e também pressionado por ele, que Meursault comete um crime: mata um árabe. O primeiro movimento (inconsequente) que Meursault fez diante da situação tensa em que se encontrava com o árabe foi justamente para se livrar do sol que o incomodava. O passo dado à frente desencadeou a reação do outro homem, que, como defesa, exibiu sua faca ao sol e foi morto com cinco tiros instantes depois. Em seu julgamento, Meursault é questionado por que havia atirado naquele homem: “Disse rapidamente, misturando um pouco as palavras e consciente do meu ridículo, que fora por causa do sol”. A presença do sol nas obras de Camus coloca os personagens, como o caso de Meursault, vivendo a regularidade e o morno tédio da vida nos lugares ensolarados. Vemos o escorregar contínuo do tempo, dos dias lindos e da beleza que chega a inibir o homem. É em seu ensaio literário "La mort dans l'âme em L´envers et l´endroit" que Camus mais uma vez aponta a importância do sol em sua vida e sua obra: “Depois do deslumbramento das horas cheias de sol, vem o deslumbramento do entardecer, no cenário esplêndido que nele faz ouro do pôr-do-sol e negro dos ciprestes”. Cada detalhe da natureza descrita por Camus em suas obras é o suficiente para encher os personagens de amor pela vida e fazer transbordar seus corações, O ideal para Camus é estar sempre aberto e unido à natureza que rodeia o homem, e através desta união, tentar reduzir a distância que existe entre o ser humano e o mundo: “Em pleno inverno, aprendia por fim que existia em meu ser um verão invencível”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARRETO, Vicente. Camus: Vida e Obra. 2. ed. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1997

LEITE, Roberto de Paula. Abert Camus: Notas e estudo crítico. São Paulo: Ed.
Edaglit, 1963

PINTO, Manuel da Costa. Albert Camus: um elogio do ensaio. São Paulo: Ed. Ateliê
Editorial, 1998.

RIBEIRO, Hél der. Do absurdo à solidariedade: a visão do mundo de Al bert Camus.
Lisboa: Ed. Esta mpa, 1996.


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