quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

"Não se nasce mulher: torna-se". Simone de Beauvoir


"É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta." Beauvoir.





Simone-Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir nasceu em Paris em 9 de janeiro de 1908, no boulevard du Montparnasse 103. Seu pai, Georges Bertrand de Beauvoir, acreditava ainda pertencer à aristocracia francesa, mas, nesta época, a decadência já se fazia sentir. Sua mãe, Françoise Brasseur, provinha de uma família da alta burguesia, porém à beira da ruína. Em virtude de um abastado passado comum, os pais de Simone a educaram com a firme idéia de que ela fazia parte de uma certa elite. Sua única irmã, Hélène (apelidada de Poupette), nasceu dois anos mais tarde que Simone. Em 1913 Beauvoir inicia seus estudos no Cours Désir, uma instituição católica particular, na qual estudará dos 5 aos 17 anos. Em agosto de 1914 os alemães declaram guerra. O pai de Simone parte para o front em outubro, mas um ataque cardíaco o traz de volta três meses depois. A guerra concede a Simone um pai mais atencioso: Georges de Beauvoir estimulava em sua filha o culto à literatura, incutindo-lhe a idéia “de que não havia no mundo nada mais belo que ser escritor”. Françoise de Beauvoir partilha com o marido o amor aos livros e estimula Simone a escrever histórias. Aluna extremamente dedicada, tudo interessa e causa profunda admiração a Simone, que demonstra uma curiosidade ilimitada. Aos dez anos Simone conhece Zaza (Élizabeth Lacoin), que acabava de entrar para o Cours Désir. De cabelos curtos, com aspecto de rapaz, Zaza provoca em Simone uma admiração imediata por seu desembaraço e desenvoltura. De espírito cáustico, cínica, Zaza ridicularizava todo mundo com prazer, inclusive a si mesma. Desprezava a humanidade, que lhe parecia pouco apreciável e demonstrava desprezo ainda maior pelas pessoas que só respeitavam o dinheiro e as dignidades pessoais. Toda a hipocrisia a revoltava. Simone ouve sua nova amiga deslumbrada, pois Zaza se atrevia a dizer bem alto o que Beauvoir apenas pensava. Desenvolve um profundo sentimento de amizade por Zaza, amor-admiração que modifica fortemente sua visão de mundo, fazendo-a se tornar mais audaciosa, segura de si e insubordinada. Em 1919, em virtude de problemas financeiros, a Família de Simone precisa deixar o imóvel do boulevard du Montparnasse por outro bem mais modesto, na rue de Rennes. As relações entre Beauvoir e seu pai ficam tensas, o ambiente familiar pesado. Ela começa a perceber as contradições de Georges de Beauvoir, cada vez mais amargurado e arrogante, chegando a ser hostil com as filhas, sobretudo com Simone. Aos 15 anos — já não mais acreditando em Deus — ela tem plena consciência do que será quando crescer: "uma escritora", não hesita em afirmar quando indagada a respeito. Simone passa com a menção bien no bacharelado de Latim-Letras e com menção très bien no bacharelado de Matemática Elementar. Decide que será professora até se tornar escritora. O pai de Beauvoir não se opõe a suas modestas pretensões, já que o magistério representa segurança, entretanto, sente-se humilhado acreditando que a filha é a encarnação de seu próprio fracasso. Ele considera Simone pobre e feia demais para arranjar marido, e, na época, o casamento era algo fundamental na vida de uma mulher. Por causa das idéias do pai, Simone torna-se uma jovem oprimida por sua inteligência fora do comum. Georges de Beauvoir acaba pressionando a filha a obter não apenas 2 licenciaturas, mas 3: Letras, Matemática e Filosofia. Simone matricula-se no Institut Catholique para conseguir um diploma em Matemática, e no Institut Sainte-Marie de Neuilly para a licenciatura em Letras. Em 1926 entra para a Sorbonne e dedica-se com afinco ao estudo da Filosofia, que fortalece sua tendência em conhecer o mundo em sua totalidade. Obcecada pela finitude da vida, Simone tem apenas um lema: vencer depressa. Em 1928, concluída a licenciatura em Filosofia, Beauvoir decide preparar sua agrégation (admissão por concurso ao título de professora-titular de nível superior), verdadeiro desafio para uma aluna da Sorbonne. Jean-Paul Sartre, também aluno da Sorbonne, impressionado com a beleza, inteligência e a voz rouca de Simone, envia-lhe, por intermédio de René Maheu, uma caricatura de Leibniz feita durante uma palestra, como forma de aproximação. Terminadas as provas escritas para a agrégation, Sartre, novamente usando Maheu como intermediário, convida Beauvoir a estudar em grupo para os exames orais. Ela aceita, e durante os 15 dias anteriores  aos exames, separam-se apenas para dormir. Sartre é aprovado em 1º lugar na agrégation, Simone, com uma diferença de apenas 2 pontos, é a 2ª colocada — tornando-se a mais jovem agrégée da França. Beauvoir deixa a casa dos pais em troca de um quarto alugado na casa da avó materna. Ensina Latim num emprego temporário no Lycée Victor-Duruy. Sartre e Simone estão apaixonados, entretanto, em vez de pedi-la em casamento, ele lhe propõe um pacto no qual monogamia e mentira não teriam lugar. Sartre acredita que antes de serem amantes, eles eram escritores, e como tal precisariam conhecer a fundo a alma humana, multiplicando suas experiências individuais e contando-as, um ao outro, nos mínimos detalhes. Entre Simone e Sartre o amor seria necessário, com as demais pessoas, seria contingente. Beauvoir aceita o pacto, pois ele está de acordo com suas próprias convicções. Em 1931, Simone é nomeada professora em Marseille, e Sartre é nomeado para o Havre. Este afastamento provoca em Beauvoir tamanha contrariedade que Sartre lhe propõe casamento. Ela se recusa, pois não queria aderir aos moldes das obrigações familiares e sociais, nem alterar a originalidade inestimável de suas relações pessoais. Aos 23 anos, Beauvoir prefere Sartre em liberdade. Simone acaba percebendo entre suas alunas Olga Kosakiewicz, "a pequena russa", por quem rapidamente se afeiçoa, não demorando a ser correspondida. Com o retorno de Sartre à França, Beauvoir, ele e Olga iniciam uma espécie de triângulo amoroso, "O Trio". Jacques-Laurent Bost, ex-aluno de Sartre no Havre, acaba se juntando ao grupo de amigos de Simone e Sartre, "la petite famille", que fazem do Hôtel Le Petit Mouton seu quartel-general. Simone e Sartre "adotam" Olga, responsabilizando-se por seus estudos, que não tardam a fracassar. O relacionamento do Trio experimenta seu apogeu, e logo em seguida vem o declínio. Olga inicia um envolvimento com Bost. Em 1937, durante uma viagem pelos Alpes, Simone envolve-se também com Bost, que lhe fazia companhia — o que, de certo modo, acaba provocando a dissolução definitiva do Trio. No Lycée Molière, Simone inicia outra amizade com uma de suas alunas preferidas: Bianca Bienenfeld (Lamblin). Início de um novo trio: Beauvoir, Sartre e Bianca. Entretanto, em virtude da guerra, o relacionamento é bruscamente interrompido em 1939.  A experiência da guerra provoca em Beauvoir e Sartre o sentido de responsabilidade e solidariedade — as pedras fundamentais da moral existencialista. O filósofo Gabriel Marcel aplica o termo "Existencialismo" ao conjunto de idéias que a obra de Sartre e Beauvoir corporifica. O reitor da Sorbonne acha inadmissível manter Beauvoir no corpo docente. Ela não era casada e vivia há anos em concubinato com Sartre; não tinha domicílio fixo, residia em hotéis, corrigia os trabalhos das alunas em cafés e dava aulas sobre os escritores homossexuais Proust e Gide; além disso, Simone demonstrava profundo desprezo por toda a disciplina moral e familiar. Por fim ela própria decide não dedicar-se mais ao magistério. Em 1945, juntamente com Sartre, Simone torna-se uma das fundadoras da revista Les Temps Modernes, que permanecerá no centro da vida intelectual francesa pelos próximos 25 anos, tomando posições radicais e de esquerda nas frentes nacional e internacional. Em 1946, estimulada por Sartre, Simone começa a pensar em escrever sobre a condição feminina. Em maio de 1948, fragmentos de O Segundo Sexo começam a ser publicados na revista Les Temps Modernes. Simone prossegue escrevendo a continuação do ensaio, sendo lançado em dois volumes (o primeiro em junho, o outro em novembro), causando grande escândalo. Beauvoir é severamente atacada, mesmo por alguns amigos, como Albert Camus amigo comum dela e de Sartre. Ao falar sobre o corpo da mulher e a sexualidade feminina, Simone quebra importantes tabus. O Vaticano põe o livro no index. A despeito de tudo, o livro é um sucesso absoluto de vendas: vinte e dois mil exemplares do 1º volume se esgotam em uma semana. O 2º volume é vendido com maior facilidade ainda. Em 1951 Sartre rompe com Camus, e se aproxima dos comunistas. Beauvoir dá apoio a Sartre, e os dois nunca mais voltam a falar com Camus. No inverno de 1956, Beauvoir começa o projeto que havia tido há dez anos: escrever suas memórias de infância. Nesta época ela é a escritora mais famosa do mundo, e consegue ver sua vida como uma dramática história de sucesso. Em apenas oito meses ela escreve Memórias de uma Moça Bem-Comportada. A saúde de Sartre começa a deteriorar-se. Obstinado, ele trabalha excessivamente, sustentado por grande quantidade de remédios, a esse ritmo frenético soma-se o abuso do álcool. Preocupada, não suportando vê-lo destruir-se, Simone começa a assumir o papel de enfermeira e guardiã, esforçando-se para que ele limitasse o uso de intoxicantes, em vão. A morte de Camus, aos 46 anos, em janeiro de 1960, abala Simone, mesmo eles já não sendo amigos. Em agosto de 1960, Simone e Sartre visitam o Brasil, durante dois meses. O convite havia sido feito por Jorge Amado e alguns intelectuais brasileiros, interessados na revolução cubana e em mostrar ao casal o que era um país subdesenvolvido. Beauvoir e Sartre viajam pelo Brasil cobrindo doze mil quilômetros, tendo Jorge Amado como guia. No Rio de Janeiro, Simone faz uma conferência sobre a condição da mulher, enquanto Sartre fala sobre Cuba e a Argélia para salas repletas. Beauvoir e ele formam, aos olhos de todos, um bloco intelectual indivisível. Em Brasília, eles são recebidos pelo presidente Kubitschek. Em São Paulo fazem uma conferência para a imprensa e concedem uma entrevista para a TV. Nos anos 1970, Simone de Beauvoir publicou o quarto volume de suas memórias, Balanço Final (1972) e passou a apoiar oficialmente as ações do movimento feminista. Em 1974, criou a Ligue du Droit des Femmes. Ao final da década, Sartre estava seriamente debilitado, sua saúde frágil não permitiu que se recuperasse de uma pneumonia. Ele faleceu em 15 de abril de 1980.  Simone enfrentou as perdas com lucidez e refletiu sobre a morte em seus últimos escritos. A Cerimônia do Adeus (1981) foi o último livro publicado em vida pela escritora, filósofa e memorialista. Sua saúde começou, então, a se debilitar com o uso abusivo do álcool e das anfetaminas. Simone morreu em 14 de abril de 1986, vítima de pneumonia, um dia antes do aniversário da morte de Sartre, tendo realizado seus dois sonhos de infância: o de se tornar escritora e o de ser uma mulher independente. Mas também sem realizar um de seus maiores desejos desde que conheceu Sartre: o de que seu companheiro de toda a vida não morresse antes dela. Está sepultada no mesmo túmulo de Jean-Paul Sartre no Cemitério de Montparnasse em Paris.

Site de referência:

www.simonebeauvoir.kit.net/


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