domingo, 22 de abril de 2012

Estrela Polar. Vergílio Fereira.



"O meu novo livro, no que lhe suponho fundamental, continua Aparição. [...]. Pretendi nele acentuar o assalto ao que tenho designado por, fundamentalmente, o problema da comunhão [...]. Se  Aparição é o romance do  eu, Estrela polar  é o romance do tu".Vergílio Ferreira.


"O passado é um labirinto e estamos nele, um passado não tem cronologia senão para os outros, os que lhe são estranhos. Mas o nosso passado somos nós integrados nele ou ele em nós. Não há nele antes e depois, mas o mais perto e o mais longe. E o mais perto e o mais longe não se lê no calendário, mas dentro de nós."
 Vergílio Ferreira, in 'Estrela Polar'


Adalberto é um homem que vive com uma angústia de conhecimento de si próprio que lhe toma por completo toda a sua existência, vivendo em função da sua busca interior, em que sente que necessita de alguém que o ajude a encontrar o todo de si, além dos limites de si próprio, que só através de outro poderá alcançar, segundo ele, a estrela polar que muito dificilmente, muito raramente e por pouco tempo se consegue encontrar. A morte do pai, a morte da mãe, o faz regressar às suas origens, a Penalva, onde fica a livraria que era dos seus pais. Sem grande ocupação profissional, prossegue as suas divagações e apaixona-se por Aida, que, em pouco tempo, toma como a pessoa através da qual poderá alcançar o conhecimento que desesperadamente almeja. Todo o enredo é de um desespero atroz, e não há personagem que não escape à desgraça coletiva que emana do sofrimento individual de cada um perante a vida, uns por uma busca desesperada do sentido da existência de si próprios, outros por uma angústia de resignação aparentemente feliz da vida que levam. Aida tem uma irmã gêmea, Alda, quase indistinguíveis, tanto que, no afã da sua busca existencial, e em sucessivas trocas de presenças de Aida e Alda no seu quotidiano, leva Adalberto a cair em armadilhas que provam que Adalberto não consegue amar ninguém senão a si próprio, fruto da sua busca existencial. Aida, apesar do intenso amor que sente por Adalberto, desespera por não conseguir dar as respostas de que Adalberto tanto precisa, afastando-se dele. Na história há um círculo de amigos composto por: Emílio, o médico, apaixonado por Alda, Garcia, um pintor excêntrico angustiado com a sua existência no sentido de não querer pintar para que os outros o admirem (mas que ao pintar, forçosamente está a transpor algo de si para os outros, mas pintar é algo que Garcia não pode evitar tal como o ar que respira), e Irene, mulher cega, amante de Garcia, com a qual este vive uma relação especial, que transcende o que Adalberto sente que é capaz de sentir e o leva a se desesperar por conhecer Irene. Depois de muitos episódios e diálogos extremamente ricos de, e entre, existência interrogativa e existência comum, que nos leva a questionar mas a compreender a atitude perante a vida nestas duas vertentes, o embate final  dá-se com as duas personagens principais, Adalberto e Alda, que acabam por cumprir o destino tão lucidamente previsto por Garcia, após um breve período em que o nascimento do filho de Adalberto lhe trouxe uma trégua inesperadas em sua angústia existencial.  Apesar de ser um romance pesado em termos de carga sentimental dos seus personagens, o livro ilumina, de forma extremamente lúcida, imensos aspectos da existência humana, que, ao serem objetivados de uma forma tão rica, ajudam o leitor a reconhecer com mais consciência as suas próprias interrogações, e enriquecer a sua postura perante a vida. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FERREIRA, Vergílio. Estrela polar, 4ª ed. Venda Nova: Bertrand, 1992.
_____ Espaço do Invisível IV. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1987.

MENDONÇA, Aniceta de. O romance de Vergílio Ferreira: existencialismo e ficção. 
Assis; São Paulo: ILHPA; HUCITEC, 1978.

MERLEAU-PONTY, Maurice.  Fenomenologia da percepção.  São Paulo: Martins 
Fontes, 2006. Trad. MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de.
_____. O visível e o invisível. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007




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