A paixão da "verdade", das ideias, é uma forma elevada, menos visível, da paixão por nós próprios.. Cântico Final, pág. 72.
Cântico Final foi escrito em 1956 e publicado em 1960. O narrador se apresenta em 1ª pessoa, representando o personagem Mário Gonçalves, que também é o herói da obra.O espaço é Lisboa e Aldeia e o tempo não é datado cronologicamente, há um tempo de memória (psicológico), para chegar a um futuro. Mário Gonçalves, é professor de desenho, poeta, escreve para ser. Termina seus estudos e vai para Lisboa lecionar no Liceu. Mário luta com os problemas de ordem financeira, daí precisar dar aulas, o que não está de acordo com seu caráter. Mário começa a participar de reuniões sociais, na casa do amigo Cipriano (médico), onde se discutem problemas relativos à arte e ao homem. Nessas discussões mostra-se que certos momentos de eternidade estão associados a um processo de êxtase, fornecido, proporcionado pela arte, que nesse momento é apresentada através da dança de Elsa, sua amada, e com a qual não conseguiu se casar. Essas reuniões são descritas e Mário vai, pouco a pouco, mostrando seus amigos e, com cada um deles, percebemos uma dialética diferente. Fala-se de amor, de vida, da morte, da velhice, modernidade entre outras coisas. Mário Gonçalves, apresenta-se como pintor e pintaria pelo mesmo motivo, para ser. O pintor Mário (em face à situação limite representada pela morte) tenta, através da arte do amor, absolutizar o relativo a assim atingir a plena realização do seu ser. Neste momento não é mais o fazer político, mas o fazer artístico que vai interessar ao romancista. Mário sobe a montanha e volta para a sua antiga casa. Nesse local passa a conviver com Ana (empregada fiel); Maria (filha de Ana); Beirão (médico que cuida dele até a morte); Sr. Alves (dono da capela onde Mário havia sido batizado e depois a vende a Mário). A capela resume e filtra a verdade final, pois assim ele estaria procurando uma religação com o absoluto através da arte. Consegue seu intuito no final. Restaura a capela, pinta os afrescos nas paredes e no teto – inclusive pinta a virgem parecida com Elsa – e diz que depois de sua morte a capela ficaria para a comunidade. A obra procura mostrar a razão de ser da arte na história do homem. Mário aparece como um pintor ultra exigente consigo mesmo e com os outros e que, de certo modo, está desligado da problemática social que o cerca, por isso a pintura e a dança têm grande importância no livro, pois parece que o romancista quer associar os interesses de seus personagens a outras artes.Para Mário, a verdade do homem estaria no gesto estético criador e na adesão violenta ao erotismo, por isso encontramos no livro a figura de dois personagens femininos: Guida e Elsa. Esta é a grande paixão da vida de Mário. Mas Guida aparece como amando Mário para, de certa forma, compensar o desafeto de Elsa. Ambas possuem um toque de profunda sensualidade e debatem-se entre essa sensualidade e um certo espiritualismo. O protagonista Mário exerce um processo crítico em relação à mulher, daí derivar uma certa auto-defesa que permite ao homem superar esses aspectos menos enobrecedores de seu caráter. Essa superação só pode ser explicada pelo fato de os protagonistas viverem um processo mental profundo, numa justaposição até o limite, que é a vida. O autor busca observar a criatura humana frente a si mesma (essa talvez seja a faceta mais importante da obra), e ainda diante da problemática social, duas direções que devem integrar-se para a solução do conflito. Portanto, duas vidas paralelas se colocam na problemática: Uma, centrada na problemática social, para ele fonte de mal-estar moral e espiritual (Mário em Lisboa, participando dos serões na casa de Cipriano). Outra, que poderíamos chamar de doméstica, particular, em que o ser se encontra sempre a sós consigo mesmo (Mário na aldeia, querendo restaurar a capela), centrado na essência de seu eu, e conseqüentemente, retratando os Valores Absolutos na vida humana.
Referências Bibliográficas:
FERREIRA, V. Cântico Final. Lisboa: Portugalia, s/d.
BRAIT, B. A personagem. 4. ed. São Paulo: Ática, 1990
CANDIDO, A. (et all) A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1968
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