segunda-feira, 30 de abril de 2012

Vergílio Ferreira - Vive o instante que passa



Vive o Instante que PassaVive o instante que passa. Vive-o intensamente até à última gota de sangue. É um instante banal, nada há nele que o distinga de mil outros instantes vividos. E no entanto ele é o único por ser irrepetível e isso o distingue de qualquer outro. Porque nunca mais ele será o mesmo nem tu que o estás vivendo. Absorve-o todo em ti, impregna-te dele e que ele não seja pois em vão no dar-se-te todo a ti. Olha o sol difícil entre as nuvens, respira à profundidade de ti, ouve o vento. Escuta as vozes longínquas de crianças, o ruído de um motor que passa na estrada, o silêncio que isso envolve e que fica. E pensa-te a ti que disso te apercebes, sê vivo aí, pensa-te vivo aí, sente-te aí. E que nada se perca infinitesimalmente no mundo que vives e na pessoa que és. Assim o dom estúpido e miraculoso da vida não será a estupidez maior de o não teres cumprido integralmente, de o teres desperdiçado numa vida que terá fim. 

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente IV'

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Estrela Polar.


"Uma de minhas insistentes súplicas a Deus e ao meu anjo da guarda era não sonhar com espelhos. Sei que os vigiava com inquietação. Algumas vezes, receei que começassem a divergir da realidade; outras, ver meu rosto neles desfigurado por adversidades estranhas. Soube que esse temor está, outra vez, prodigiosamente no mundo".Jorge Luis Borges


Espelhos e ilusões:



Um dos primeiros espelhos que encontramos no romance é o espelho interior da memória de Adalberto. Relembrando para tentar compreender, ou quem sabe, esquecer os motivos de sua condenação a vinte anos de prisão por assassinato (que ele argumentava como acidental) da sua esposa. E ele próprio, se olhando no espelho do tempo, diz, no final do romance: ―"Possivelmente a vida rejeitou-me como o mar a um cadáver". A narrativa de estrela Polar é não-linear, típica dos romances vergilianos, e é significativa pois utiliza a memória do narrador como espelho para que ele enxergue a si mesmo e discorra sobre todo o passado. Recordando todos os lances da sua vida em Penalva, Adalberto perceberá que tudo o que aconteceu tinha uma correspondência. Quando evoca sua solidão no cárcere, percebe que a solidão da vida no Lá-Fora já era um ensaio (e por que não um reflexo?) para a sua cela, ao lembrar-se do seu quarto, onde refugiou-se após a morte da mãe relembrando-se: "Sou filho único, o meu quarto é o quarto escuro‘. Chamam-lhe assim na casa — mas havia uma janela. Só que dava para um muro. Tal como  agora a prisão, revejo-o ligado ao meu destino". Uma vez fixado na cidade, Adalberto é forçado a espelhar-se na profissão do pai (com quem não consegue identificar-se, porque a mirte do pai aconteceu quando ele pequeno), que na verdade reflete os anseios de um tio, livreiro, que o designa para cuidar de uma filial de sua livraria na cidade. E é nessa Penalva, ainda com ar de aldeia, de ruas vazias e  de aspecto soturno, (a própria cidade ficcional é o espaço ideal para as necessidades da narrativa)  como se convidasse a memória e os pensamentos a conviver com fantasmas e assombrações que Adalberto encontra, como sua própria empregada, Aida, por quem sua fibra logo estremece, pela sua beleza, por sua força, pelo seu mistério. A relação de Adalberto e Aida inicia-se por entre silêncios e evasivas, como alguém que fala diante a um espelho, uma comunicação que se segue milagrosamente pela entrega de um e pela indulgência do outro. Aida chega a ser um nome suspirado como um gemido de dor por Adalberto, tal o seu mutismo e o seu mistério. Ele descobre em poucas palavras que ela abandonara um curso superior, que tem uma irmã que é enfermeira, uma mãe que necessitava dos ares de Penalva para se recuperar de uma doença e um pai que fizera uma cirurgia de garganta. Mas a solidão, ainda que acompanhada, necessita de respostas, necessita de espelhos para se iludir de uma presença absoluta. Para Adalberto, o encontro com Aida é um encontro absoluto, um amor de desde sempre, porém não era suficiente para estancar suas perguntas: "Rapidamente ultrapassei os limites da plenitude de um encontro que se basta, de duas mãos que se prendem, de dois olhares que se fitam. Rapidamente me interroguei sobre  quem estava atrás desse olhar e dessas mãos e quis chegar lá... É tão difícil explicar. É tão difícil e tão alto e tão fora da nossa medida, que estremeço de loucura e as minhas palavras se atropelam. Mas isto  existe, como é possível que seja um erro? Há um além para lá de ti, da pessoa que vejo e está aqui, e que é a pessoa que és. Trago em mim o apelo absoluto da identidade absoluta, a exigência da comunhão verdadeira. Porque eu sou de mais para mim —e tu. Jamais te saberei? Jamais tocarei com as minhas mãos a chama que arde em ti? Estamos cheios de prodígio, não é estúpido  que o ignoremos? Para lá de todas as portas há uma porta ainda, e essa é que é a porta da nossa morada..." (Estrela Polar). Uma dessas portas abre-se num passeio em uma tarde, em um bosque, onde Adalberto topa, por acaso com a irmã gêmea de Aida, Alda, que sofre um acidente de bicicleta, e ele pensando ser a namorada, chama-a continuamente pelo nome, ao que a garota rebate, afirmando ser a irmã gêmea, atordoando a mente de Adalberto: [...] ―Mas eram inteiramente iguais. E, todavia, em quê  diferentes? Porque aquilo que me unira a ela enquanto ela era Aida, que mistério absurdo o transformou em mim, o destruiu? Quando Aida foi Alda, que é que mudou nela para que já a não reconhecesse? Quantas vezes o perguntei pela vida fora, o pergunto agora ainda, se acaso foi Alda que eu..."(Estrela Polar). Depois desse encontro surge até a dúvida se eram mesmo irmãs gêmeas, ou se eram apenas muito parecidas, ainda que parentes (primas) e começa a emergir ao redor de Adalberto a incerteza. Percebe que as irmãs se revezam, trocando de lugar no trabalho; percebe que o amigo Emílio, médico, tem um relacionamento com Alda, e talvez com Aida, e ele próprio é o único incapaz de distinguir as duas (o seu empregado, Faustino, o sabe; Emílio sabe qual das duas, embora idênticas, é a mais bonita); sendo partícipe de um quadrado amoroso no qual ele é o mais desinformado de tudo. Só sabe que Aida é uma presença. Que Alda é uma presença. Passa a nomeá-las como uma só: Aida-Alda. E em seu peito explode uma dúvida cruel, como se percebesse no espelho a sua imagem e um sorriso que não era o seu: Mas quem ―eu? É uma evidência sem gênero, sem sexo — acaso já o pensaste? Que estranho! Como um  ―tu! Porque, Imaginando-a amante de Emílio fica sempre à sua espreita e salva-a do atropelamento — algo absurdo para uma cidade vazia como Penalva — e logo depois, com ela recuperando-se, tenta matá-la por estrangulamento, mas ela morre do coração.  O que não atenua a pena de Adalberto, que passa vinte anos na cadeia. O romance acaba assim demonstrando a complexidade dos conflitos de um Eu que se imagina sempre completo numa relação direta com o  Outro,  o  Tu. Nosso sadismo particular, na ânsia de tentar erradicar com a nossa solidão se vê incapaz de prender em qualquer espelho que seja o Outro, por mais submisso que ele seja por algum momento não deixará de ser uma entidade livre. Como figuras encerradas no espaço especular nos é impossível quebrar os limites da moldura e tentar apreender tudo a nosso bel-prazer. Por isso a obsessão de Adalberto, que fracassa votando à imagem inapreensível de alguém que reflete alguém que ele amou (ou pensou amar) um ódio terrível que acaba na morte de Alda. E resta-lhe o espelho, ou a tela da memória que ele tenta colar para reviver, mesmo sabendo que ainda como um círculo vicioso, os cacos de sua vida, sua memória:"[...] partirei então para Penalva. É uma cidade fechada, no alto de um monte. A dez passos há o vazio. Então, provavelmente, encontrarei Aida. Ela tem uma irmã parecida com ela, até no nome. E eu amarei Aida e direi: ―tu, ó única. Tudo quanto em mim é de mais o sonharei então nela e o sentirei então nela e tudo em mim será ainda um excesso e perguntarei ainda: quem? onde? para quê?  Depois confundirei Aida com Alda, que é Ainda: ―ó única. Então Aida dir-me-á: ―não sou quem julgas, mas que admira?Tu nunca  amaste ninguém. Haverá um filho entre os dois e já morto. E eu matá-la-ei ou dirão que a matei, porque a morte é o signo do meu excesso — e serei condenado a vinte anos. Abrir-me-ão as portas depois, se viver ainda. E voltarei para Penalva. Então encontrarei decerto Aida que tem uma irmã extraordinariamente parecida com ela. repara: um ―tu comparticipa ainda de um ―eu, está ainda perto dele. Um homem diz ―eu, diz ―eu uma mulher  — e a ambos dizemos  ―tu. Porque ao dizermo-lo abordamos a iluminação onde não há sexo, nem gênero, nem idade, nem ―psicologia: o sexo vem depois, quase se chega à rua. ―Eu sou alto, ou ―eu sou bela — sim. Mas ―eu sou ―eu apenas, ―tu és ―tu apenas. Só o ―ele tem gênero, porque o ―ele está longe, é já do mundo das coisas... Quem ―eu?" (Estrela Polar). Aida então, como num passe de mágica cede lugar à Alda, com quem Adalberto alterna momentos de sadismo possessivo e um masoquismo, representantes da sua paixão do seu empreendimento de tentar amar alguém, de uma sedução capenga de alguém que sempre quer ver refletido no outro (como se Adalberto,implicitamente, no seu nome trouxesse fragmentos de Aida e Alda, tanto que ele detesta ser chamado apenas de Berto), mas nada é do que paixão cega e seca, obstinada. Adalberto desespera-se quando do passeio à praia e as irmãs, náufragas, são enfim separadas. Ele casa com Alda, mas permanece ligado ao fantasma da outra, num exercício de tortura para Alda extremamente insuportável, posto que ela, a essa altura quer ser apenas ela mesma e não reflexo de alguém. E como em milhares de fragmentos de espelhos quebrados, Adalberto percebe enfim o que acontecia ao seu redor de forma mais efetiva e resta-lhe apenas para tentar restaurar  seu espelho o filho, que naturalmente, chama-se Adalberto. A partir daí é como tudo se passasse num espelho embaçado. Sabemos  que  Alda morre no naufrágio, assumindo  Aida a posição da irmã,  aumentando ainda mais  os exercícios de loucura e obsessão do marido, que já imagina que ambas eram apenas uma só pessoa. 

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Universidade Católica organiza congresso internacional sobre Vergílio Ferreira.




O Centro de Estudos de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa vai organizar em maio o Congresso Internacional “Vergílio Ferreira: Da Ficção à Filosofia, no Cinquentenário de Estrela Polar e Da Fenomenologia a Sartre”. «Num tempo de desnorte e de vazio antropológico, trazer uma vez mais ao debate um autor [1916-1996] que não se cansa de procurar o “homem fundamental”, afigura-se tarefa urgente e necessária», sublinha o texto de apresentação. A iniciativa, que decorre de 17 a 19 de maio na sede da Universidade Católica, em Lisboa (Anfiteatro 2), conta com as participações de Lídia Jorge, Nuno Júdice e Gonçalo M. Tavares, entre mais de 20 oradores.«A questão de Deus em Vergílio Ferreira», «Solidão e tragédia. A irrelação inter-humana como lugar próprio da tragédia» e «Vergílio Ferreira: em busca do sentido que faz ou não faz o existente e a vida humana» são algumas das conferências que compõem os seis painéis do congresso.


Programa
Dia 17

14h00
Recepção dos participantes
14h30
Sessão de Abertura (Autoridades)
Conferência de Abertura
«Vergílio Ferreira: em busca do sentido que faz ou não faz o existente e a vida humana» (Manuel Ferreira Patrício)

15h15
1º Painel:Vergílio Ferreira e o Romance
«Vergílio Ferreira: uma invocação ao seu corpo - o ficcionismo habitado pelo filósofo» (Lídia Jorge)
«Linguagem, experiência e tempo na obra narrativa de Vergílio Ferreira» (Jorge Maximino)
«Fusão Vergílio-Escrita» (Vanda de La Salete)
«A luz e a solidão de Estrela Polar» (Celeste Natário)
Moderador: Américo Pereira
16h45
Intervalo
17h00
Conferências
«Fenomenologia do tempo no romance vergiliano: o que começou a mudar antes de Mudança» (Fernanda Irene Fonseca)
«Vergílio Ferreira: o romance do fim» (Rosa Maria Goulart)
18h00
2º Painel: Vergílio Ferreira: o corpo e os corpos
«Vergílio Ferreira e a motricidade humana» (Vitor Ló)
«A câmara clara: Vergílio Ferreira e a arte da imagem» (Isabel Cristina Rodrigues)
Moderador: Jorge Maximino

18h45
Fim dos trabalhos

Dia 18

9h30
Conferência: «A diferença de uma letra no nome das gémeas de Estrela Polar» (Hélder Godinho)
10h30
Intervalo

10h45
3º Painel: Estrela Polar: romance da solidão?
«O universo existencial da obra Estrela Polar» (Maria de Lurdes Sigardo Ganho)
«Estrela Polar : sementes de o fenómeno erótico» (Florinda Martins)
«O Amor como entidade impossível em Estrela Polar de Vergílio Ferreira» (Eunice Cabral)
Moderador: Samuel Dimas

.
12h45
Almoço
14h30
4º Painel: A dimensão trágica do protagonista vergiliano
(Nuno Júdice)
«A imanifestável deceção do conceito: silêncio e  apofatismo interrogativo em Vergílio Ferreira» (Bruno Béu de Carvalho)
«Solidão e tragédia. A irrelação inter-humana como lugar próprio da tragédia» (Américo Pereira)
«Da Aparição à Revelação» (Mariana Cascais)
Moderadora: Maria de Lourdes Sirgado Ganho
16h00
5º Painel: Da fenomenologia a Sartre
«Patologia da liberdade: Anders (Stern), Sartre, Vergílio Ferreira» (Pedro Cabrera)
«Liberdade e ética em Jean-Paul Sartre» (Cassiano Reimão)
(Manuel Cândido Pimentel)
Moderadora: Inês Bolinhas

17h45
Fim dos trabalhos


Dia 19
09h30
6º Painel: Vergílio Ferreira hoje: que lugar para a esperança?
«“Aí é que sim”: tema e variações» (Paula Pina)
«A questão de Deus em Vergílio Ferreira» (Samuel Dimas)
«Assédios à identidade esquiva: ler hoje Vergílio Ferreira» (Isabel Soler)
(Gonçalo M. Tavares)
Moderador: José Antunes de Sousa

11h00
Intervalo
11h15
Conferência: «A reflexão estética de Vergílio Ferreira» (António Braz Teixeira)
12h15
Sessão de Encerramento
Resumo do Congresso (José Antunes de Sousa)
Alocução final (Manuel Cândido Pimentel)

13h00
Fim dos trabalhos




domingo, 22 de abril de 2012

Estrela Polar. Vergílio Fereira.



"O meu novo livro, no que lhe suponho fundamental, continua Aparição. [...]. Pretendi nele acentuar o assalto ao que tenho designado por, fundamentalmente, o problema da comunhão [...]. Se  Aparição é o romance do  eu, Estrela polar  é o romance do tu".Vergílio Ferreira.


"O passado é um labirinto e estamos nele, um passado não tem cronologia senão para os outros, os que lhe são estranhos. Mas o nosso passado somos nós integrados nele ou ele em nós. Não há nele antes e depois, mas o mais perto e o mais longe. E o mais perto e o mais longe não se lê no calendário, mas dentro de nós."
 Vergílio Ferreira, in 'Estrela Polar'


Adalberto é um homem que vive com uma angústia de conhecimento de si próprio que lhe toma por completo toda a sua existência, vivendo em função da sua busca interior, em que sente que necessita de alguém que o ajude a encontrar o todo de si, além dos limites de si próprio, que só através de outro poderá alcançar, segundo ele, a estrela polar que muito dificilmente, muito raramente e por pouco tempo se consegue encontrar. A morte do pai, a morte da mãe, o faz regressar às suas origens, a Penalva, onde fica a livraria que era dos seus pais. Sem grande ocupação profissional, prossegue as suas divagações e apaixona-se por Aida, que, em pouco tempo, toma como a pessoa através da qual poderá alcançar o conhecimento que desesperadamente almeja. Todo o enredo é de um desespero atroz, e não há personagem que não escape à desgraça coletiva que emana do sofrimento individual de cada um perante a vida, uns por uma busca desesperada do sentido da existência de si próprios, outros por uma angústia de resignação aparentemente feliz da vida que levam. Aida tem uma irmã gêmea, Alda, quase indistinguíveis, tanto que, no afã da sua busca existencial, e em sucessivas trocas de presenças de Aida e Alda no seu quotidiano, leva Adalberto a cair em armadilhas que provam que Adalberto não consegue amar ninguém senão a si próprio, fruto da sua busca existencial. Aida, apesar do intenso amor que sente por Adalberto, desespera por não conseguir dar as respostas de que Adalberto tanto precisa, afastando-se dele. Na história há um círculo de amigos composto por: Emílio, o médico, apaixonado por Alda, Garcia, um pintor excêntrico angustiado com a sua existência no sentido de não querer pintar para que os outros o admirem (mas que ao pintar, forçosamente está a transpor algo de si para os outros, mas pintar é algo que Garcia não pode evitar tal como o ar que respira), e Irene, mulher cega, amante de Garcia, com a qual este vive uma relação especial, que transcende o que Adalberto sente que é capaz de sentir e o leva a se desesperar por conhecer Irene. Depois de muitos episódios e diálogos extremamente ricos de, e entre, existência interrogativa e existência comum, que nos leva a questionar mas a compreender a atitude perante a vida nestas duas vertentes, o embate final  dá-se com as duas personagens principais, Adalberto e Alda, que acabam por cumprir o destino tão lucidamente previsto por Garcia, após um breve período em que o nascimento do filho de Adalberto lhe trouxe uma trégua inesperadas em sua angústia existencial.  Apesar de ser um romance pesado em termos de carga sentimental dos seus personagens, o livro ilumina, de forma extremamente lúcida, imensos aspectos da existência humana, que, ao serem objetivados de uma forma tão rica, ajudam o leitor a reconhecer com mais consciência as suas próprias interrogações, e enriquecer a sua postura perante a vida. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FERREIRA, Vergílio. Estrela polar, 4ª ed. Venda Nova: Bertrand, 1992.
_____ Espaço do Invisível IV. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1987.

MENDONÇA, Aniceta de. O romance de Vergílio Ferreira: existencialismo e ficção. 
Assis; São Paulo: ILHPA; HUCITEC, 1978.

MERLEAU-PONTY, Maurice.  Fenomenologia da percepção.  São Paulo: Martins 
Fontes, 2006. Trad. MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de.
_____. O visível e o invisível. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007




quinta-feira, 5 de abril de 2012

Cântico Final. Vergílio Ferreira


A paixão da "verdade", das ideias, é uma forma elevada, menos visível, da paixão por nós próprios.. Cântico Final, pág. 72.



Cântico Final foi escrito em 1956 e publicado em 1960. O narrador se apresenta em 1ª pessoa, representando o personagem Mário Gonçalves, que também é o herói da obra.O espaço é Lisboa e Aldeia e o tempo não é datado cronologicamente, há um tempo de memória (psicológico), para chegar a um futuro. Mário Gonçalves, é professor de desenho, poeta, escreve para ser. Termina seus estudos e vai para Lisboa lecionar no Liceu. Mário luta com os problemas de ordem financeira, daí precisar dar aulas, o que não está de acordo com seu caráter. Mário começa a participar de reuniões sociais, na casa do amigo Cipriano (médico), onde se discutem problemas relativos à arte e ao homem. Nessas discussões mostra-se que certos momentos de eternidade estão associados a um processo de êxtase, fornecido, proporcionado pela arte, que nesse momento é apresentada através da dança de Elsa, sua amada, e com a qual não conseguiu se casar. Essas reuniões são descritas e Mário vai, pouco a pouco, mostrando seus amigos e, com cada um deles, percebemos uma dialética diferente. Fala-se de amor, de vida, da morte, da velhice, modernidade entre outras coisas. Mário Gonçalves, apresenta-se como pintor e pintaria pelo mesmo motivo, para ser. O pintor Mário (em face à situação limite representada pela morte) tenta, através da arte do amor, absolutizar o relativo a assim atingir a plena realização do seu ser. Neste momento não é mais o fazer político, mas o fazer artístico que vai interessar ao romancista. Mário sobe a montanha e volta para a sua antiga casa. Nesse local passa a conviver com Ana (empregada fiel); Maria (filha de Ana); Beirão (médico que cuida dele até a morte); Sr. Alves (dono da capela onde Mário havia sido batizado e depois a vende a Mário). A capela resume e filtra a verdade final, pois assim ele estaria procurando uma religação com o absoluto através da arte. Consegue seu intuito no final. Restaura a capela, pinta os afrescos nas paredes e no teto – inclusive pinta a virgem parecida com Elsa – e diz que depois de sua morte a capela ficaria para a comunidade. A obra procura mostrar a razão de ser da arte na história do homem. Mário aparece como um pintor ultra exigente consigo mesmo e com os outros e que, de certo modo, está desligado da problemática social que o cerca, por isso a pintura e a dança têm grande importância no livro, pois parece que o romancista quer associar os interesses de seus personagens a outras artes.Para Mário, a verdade do homem estaria no gesto estético criador e na adesão violenta ao erotismo, por isso encontramos no livro a figura de dois personagens femininos: Guida e Elsa. Esta é a grande paixão da vida de Mário. Mas Guida aparece como amando Mário para, de certa forma, compensar o desafeto de Elsa. Ambas possuem um toque de profunda sensualidade e debatem-se entre essa sensualidade e um certo espiritualismo. O protagonista Mário exerce um processo crítico em relação à mulher, daí derivar uma certa auto-defesa que permite ao homem superar esses aspectos menos enobrecedores de seu caráter. Essa superação só pode ser explicada pelo fato de os protagonistas viverem um processo mental profundo, numa justaposição até o limite, que é a vida. O autor busca observar a criatura humana frente a si mesma (essa talvez seja a faceta mais importante da obra), e ainda diante da problemática social, duas direções que devem integrar-se para a solução do conflito. Portanto, duas vidas paralelas se colocam na problemática: Uma, centrada na problemática social, para ele fonte de mal-estar moral e espiritual (Mário em Lisboa, participando dos serões na casa de Cipriano). Outra, que poderíamos chamar de doméstica, particular, em que o ser se encontra sempre a sós consigo mesmo (Mário na aldeia, querendo restaurar a capela), centrado na essência de seu eu, e conseqüentemente, retratando os Valores Absolutos na vida humana.


Referências Bibliográficas:

FERREIRA, V. Cântico Final. Lisboa: Portugalia, s/d.

BRAIT, B. A personagem. 4. ed. São Paulo: Ática, 1990

CANDIDO, A. (et all) A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1968